“O DESPERTAR DAS FORMIGAS” REGISTRA A ANGÚSTIA  DA SUBMISSÃO FEMININA.

Por Celso Sabadin.

Se a Costa Rica já era digna de todo o respeito e consideração por não desperdiçar seu orçamento nesta aberração inútil que se chama Exército, agora o país subiu ainda mais no meu conceito com o sensível “O Despertar das Formigas”, realizado em coprodução com a Espanha.

Trata-se de uma pequena preciosidade que prima pela força quase muda de sua simplicidade.

Tudo gira em torno de Isabel (Daniela Valenciano), dona de casa de classe baixa que vive na região rural da Costa Rica tentando equilibrar – na medida do possível – o apertadíssimo orçamento familiar. As costuras que faz para a vizinhança, aliadas ao salário do marido, “batendo nas traves”, consegue pagar as despesas do casal e das duas filhas pequenas. Mas para isso são necessários alguns malabarismos domésticos, como por exemplo ficar alternando a mesma lâmpada entre duas luminárias de cômodos diferentes, pois o dinheiro não é suficiente para duas lâmpadas.

Enquanto isso, o marido Alcides (Leynar Gomez), ratificando sua imensa falta de noção, sonha em comprar uma pequena chácara, num cenário onde até a pasta de dentes precisa ser adquirida fiado na vendinha local.

A grande questão de “O Despertar das Formigas”, porém, não é a luta pelo equilíbrio doméstico, nem o desequilíbrio social costarriquenho, mas sim a terrível condição de quase invisibilidade da protagonista, em particular, e da mulher, por extensão.

Isabel é quase uma ferramenta doméstica em seu meio social. Faz e confeita bolos para as cunhadas, debruça-se diariamente sobre sua máquina de costura, cuida de todos os afazeres da casa, sem jamais ser percebida por ninguém além das filhas. Ela é quase a personagem de Bruce Willis em “O Sexto Sentido”, até na hora do sexo. Ninguém quer realmente saber como ela está, como ela vai, o que pensa ou sente e muito menos quais são seus sonhos. Na visão das pessoas que a rodeiam, há poucas diferenças entre Isabel e um aspirador de pó.

Nesta sua estreia como roteirista e diretora de longas, Antonella Sudasassi consegue abordar o problema com magistral sutileza. Evita a tentação simplista de vilanizar os facilmente vilanizáveis personagens que a rodeiam (afinal, nada mais atrativo que detonar sogras e cunhadas), centraliza a totalidade da sua narrativa na protagonista, da mesma forma, sem santificá-la (o que seria outra tentação simplista) conseguindo desta forma    filmar com crueza, sobriedade e poesia o sufoco da submissão latina feminina e de sua consequente invisibilidade.

Premiado em Gramado e Seul, “O Despertar das Formigas” foi o filme escolhido pela Costa Rica para representar o país no Oscar.