“CASA DE ANTIGUIDADES”: O TERROR É AQUI E AGORA.

Por Celso Sabadin.

A vida não está nada fácil para Cristovam (Antonio Pitanga, ótimo, aliás, como sempre). Ele é velho, negro, e trabalha em um laticínio comandado por alemães racistas, em algum lugar na região sul do Brasil.

O fascismo congênito do lugar não se restringe somente ao laticínio: todo o vilarejo exala e exalta o culto supremacista branco. Há outros – raríssimos – negros por ali, mas ou eles estão mais “adaptados” (leia-se “conformados”) ou, no caso da bonita travesti Jennifer (Ana Flavia Cavalcanti), “pelo menos ela é loira”, como afirma um dos moradores do lugar.

Cristovam resigna-se como pode, em sua cabana constantemente vandalizada, mas uma sucessão de acontecimentos o levam a um processo de busca interna pelas suas memórias e raízes, através do qual aflorarão sensações que potencializarão sua indignada força animal acuada há tanto tempo. Desde a pressão para assinar uma petição para separar o sul do restante do país, passando por crianças que matam animais pelo puro prazer de matar, é vasto, perverso e real o universo com o qual Cristovam precisa lidar.

Com roteiro de Felipe Sholl (o mesmo de “Fala Comigo”) e do próprio diretor, João Paulo Miranda Maria (aqui estreando no longa metragem), “Casa de Antiguidades” segue o estilo introspectivo que privilegia interpretações intensas, tensos silêncios e diálogos minimalistas. Miranda Maria classifica este seu estilo como “Cinema Caipira”, em que prevalece a observação da realidade crua e bruta, da qual ele tenta transmitir sua essência.

Particularmente, observo muito mais em “Casa de Antiguidades” a prevalência estilística do cinema de arte europeu. Não importa. O fato é que com o inestimável apoio da direção de fotografia do franco-chileno Benjamín Echazarreta, o longa é extremamente competente na criação de climas, e não raro envereda pelos cânones do filme de terror em sua composição narrativa. Nada mais justo: afinal, o horror nazifascista, claramente explicitado no longa, nos é muito mais próximo que qualquer serial killer ou telefone preto. Nosso pânico é palpável, e não etéreo.

“Casa da Eternidade” é para ser visto de olhos e ouvidos bem abertos, com algumas referências a Kubrick (os olhos luminosos dos felinos, que lembra a introdução de “2001”, ou o flagrante do sexo proibido, que remete a “O Iluminado”), ou uma prosaica inscrição em uma porta com os dizeres “17 SIM SIM”, que deixa clara a opção política do vilarejo nazista.

Coproduzido por Brasil e França, o filme estreia nos cinemas, nesta quinta-feira, 21/07, em São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Brasília, Belo Horizonte, Recife, Manaus, Aracaju e Porto Alegre.