“ONODA – 10 MIL NOITES NA SELVA” ABORDA A IRRACIONAL OBSTINAÇÃO MILITAR.
Por Celso Sabadin.
Podem falar que é lealdade, abnegação, fidelidade, dedicação, paixão… o que for. Mas quando tais conceitos estão ligados ao militarismo, minha leitura sempre será a de fanatismo. Não raramente associado à lavagem cerebral.
Tal obsessão é investigada em “Onoda”, envolvente drama de guerra cujo subtítulo – “10 Mil Noites na Selva” – já dá o tom do que acontece. A partir de uma história real, o filme mostra a trajetória do jovem tenente Hiroo Onoda (Yuya Endo, ótimo), que durante a Segunda Guerra recebe um treinamento considerado de elite, através do qual a resistência e a sobrevivência a qualquer custo se sobrepõem ao tradicional conceito do hara-kiri (suicídio honroso).
Obcecado por tal pensamento, Onoda comanda uma missão nas Filipinas, onde os norte-americanos estão prestes a desembarcar. Porém, como sabemos, o Japão será derrotado… mas ninguém avisou ao incansável tenente e sua tropa.
O roteiro de Vincent Poymiro, realizado em parceria com o próprio diretor, Arthur Harari (ambos franceses) personaliza e personifica a figura lendária do soldado japonês que jamais abandona seu posto enquanto não receber ordem explícitas de seu comandante para tal. Mesmo que a ordem jamais lhe chegue.
Certamente há uma base de verdade nestas histórias, mas por outro lado tal mitologia também foi largamente explorada no ocidente pós-Guerra para buscar algum tipo de legitimação do genocídio nuclear de 1945. A ideia era tentar vender a falsa narrativa que a obstinação irracional dos japoneses era tão grande que – se não fossem as bombas atômicas – a Guerra teria demorado muito mais a terminar.
Mentiras políticas à parte, “Onoda” mantém-se estrito ao ponto de vista do protagonista, optando por evitar as questões extra-guerra que dramaturgicamente jamais seriam do conhecimento dele. Ou seja, atrela a única realidade experimentada pelo tenente ao unidimensionalismo da percepção das plateias, estratégia das mais bem sucedidas para criar fortes laços de empatia com o pequeno grupo de personagens interpretado por um ótimo elenco.
Coproduzido por França, Japão, Alemanha, Bélgica Itália e Camboja, “Onoda” venceu o César de roteiro original e foi selecionado para a mostra Um Certo Olhar, em Cannes, além de colecionar várias premiações e indicações em outros festivais internacionais (incluindo de São Paulo).
Curiosidade que não chega a ser spoiler: o Tenente Onoda chegou a ser fazendeiro em Mato Grosso do Sul.
O longa estreou nos cinemas no último 25 de agosto.

