IRÔNICO: GOLPISTAS EM DOCUMENTÁRIO CONTRÁRIO A GOLPES.
Por Celso Sabadin.
Não é muito usual que documentários ganhem sequências. Contudo, no caso de “O Dia que Durou 21 Anos”, dirigido por Camilo Tavares há dez anos, uma continuação é mais que justificável. Ou duas, ou três, ou quantas continuações forem necessárias para relembrar, denunciar e cristalizar o terrível conceito das ditaduras capitaneadas pelos EUA que abalaram e continuam abalando a América Latina. Assunto não faltará.
No primeiro longa, Tavares se debruça sobre o golpe civil-militar perpetrado no Brasil em 1964. Neste novo trabalho – “O Dia que Durou 21 Anos 2 – O Grande Irmão” – o tal dia que durou 21 anos é o 11 de setembro de 1973, data do golpe contra o Chile, empreendido com total apoio do Brasil, o grande irmão a que se refere o subtítulo do documentário.
Trata-se de um show de horrores. E, pior: não são horrores supostos, mas fartamente documentados por correspondências oficiais entre ministros e diplomatas, além de gravações de áudio entre Richard Nixon e Henry Kissinger, então respectivamente presidente e secretário de estado norte-americanos. Tal documentação, secreta na época, atualmente é considerada “declassified”, aberta, pela inteligência estadunidense.
Entre outras atrocidades, “O Dia que Durou 21 Anos 2” registra como o Brasil, na época já na ditadura (portanto, sob ordens diretas de Washington) atua decisivamente como parceiro dos Estados Unidos não apenas na deflagração do golpe contra Salvador Allende, como também em suas manutenção, fortalecimento, reconhecimento internacional, difusão e aplicação dos mais terríveis métodos de tortura. Métodos, inclusive, “importados” diretamente da França, país com grande expertise no assunto, em função da guerra contra a Argélia.
Na indústria da ditadura, a globalização chegou antes, e com o firme propósito de derrubar aquele que foi o primeiro governo socialista da História eleito democraticamente.
Além das questões históricas propriamente ditas – que hoje se revestem de uma incômoda contemporaneidade em função dos rumos direitistas tomados pelo planeta – o filme também traz, por si só, não menos incômodas ambiguidades internas.
Por exemplo: entre os seus depoentes está o hoje senador José Serra – que surge na tela na condição de antigo exilado – mas que poucos dias após nosso outro golpe mais recente – o de 2016 – rumou apressadamente para os Estados Unidos, país patrocinador de todos os golpes, para negociar nosso pré-sal.
Na mesma linha, o documentário é coproduzido por empresas das organizações Globo, exatamente o mesmo grupo empresarial que emerge na liderança das comunicações brasileiras favorecido pela ditadura militar do país, a mesma que sustenta a ação criminosa desencadeada no Chile.
Não deixam de ser, no mínimo, irônicas, tais presenças eminentemente e estruturalmente golpistas posando de democráticas em um filme de postura e premissa libertárias.
É bem interessante o fato do filme abrir espaço também para depoentes da direita, como o antigo Ministro da Fazenda da ditadura, Delfim Netto, que sem o menor constrangimento confirma as ações golpistas do nosso governo contra o povo chileno, como a abertura de uma linha brasileira de crédito de US$ 500 milhões (dinheiro da época) gentilmente concedida ao ditador Pinochet, com pagamento a perder de vista. Já faz um bom tempo que os adeptos das políticas fascistas perderam os pruridos da exposição pública.
“O Dia que Durou 21 Anos 2 – O Grande Irmão” é urgente, importante e necessário, não somente como documento histórico, mas também como alerta da realidade presente. Mesmo porque os mecanismos que hoje impulsionam as lutas entre o capitalismo desenfreado e ao conquistas sociais não são muito diferentes dos que vigoravam naquele anos 1960/70. Quais sejam: o achatamento salarial/educacional/cultural da América Latina visando a formação e o fornecimento de mão-de-obra barata para as grandes corporações multinacionais.
No filme, a lamentar somente a utilização incessante e intermitente de uma trilha sonora que ao, procurar ser mais espetacular que o próprio golpe, acaba gerando mais ruído que propriamente auxiliando a narrativa.
Realizado pela Pequi Filmes, com coprodução Globo Filmes, Canal Brasil e Globonews, e produção associada da Nexus Filmes, “O Dia que Durou 21 Anos 2 – O Grande Irmão” estreou nos cinemas na última quinta, 8 de setembro.

