A GRANDE VIAGEM AFETIVA DE “PEQUENOS GUERREIROS”.
Longa estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta, 01/12.
Por Celso Sabadin.
Um `road movie´ que transborda brasilidade. Assim pode ser definido “Pequenos Guerreiros”, de Bárbara Cariry, cineasta de grande experiência na produção, que estreia agora como diretora.
O sobrenome é famoso no circuito brasileiro de festivais de cinema. Bárbara é irmã de Petrus e filha de Rosemberg Cariry, aclamados e premiadíssimos diretores cearenses que sempre tiveram em Bárbara o imprescindível apoio de produção. Para seu primeiro filme como diretora, ela parte de seu próprio roteiro (em parceria com o pai), construído a partir de memórias de infância.
Direcionada primordialmente ao público infanto-juvenil, a trama de “Pequenos Guerreiros” mostra uma família de pescadores, no litoral do Ceará, que viaja pelo sertão para pagar uma promessa. O destino é Barbalha, na região do Cariri, mais precisamente na Festa do Pau da Bandeira, evento tradicional que anualmente reúne milhares de pessoas para missas e cortejos em torno da fé em Santo Antônio.
A bordo de um velho jipe, o pai Cosme (Bruno Goya), a mãe Maria (Georgina Castro), o filho Benedito (Juan Calado) e os sobrinhos Matheuzinho (Daniel Almeida) e Bruna (Lara Ferreira) embrenham-se em uma divertida e instrutiva jornada pela riquíssima cultura cearense, onde não faltarão elementos de religiosidade, tradição, música, descobertas e aventuras.
Com première mundial na competição do Children’s Film Festival Seattle, nos EUA, “Pequenos Guerreiros” chega aos cinemas brasileiros nesta quinta, 01/12, após um longo percurso por festivais nacionais e internacionais, incluindo Milwaukee, Minneapolis, Montreal, Kinolub (Polônia), Fortaleza, Tiradentes, Paraíba e São Luís.
A equipe do longa é formada predominantemente por mulheres.
Bárbara Cariry fala de sua estreia na direção de longas:
“Eu nasci em Fortaleza, mas desde bem pequena que eu viajava com meus pais para o Cariri cearense, no sul do Estado. Eles são daquela região. Essas viagens aconteciam geralmente em épocas de festas, como a ExpoCrato, a Festa do Pau da Bandeira de Barbalha, as Romarias de Juazeiro, Dia de Reis, São João, entre outras. Era sempre um momento de descoberta, uma emoção encontrar tantas cores, ritmos e novidades. Escrevi o primeiro tratamento do roteiro de PEQUENOS GUERREIROS porque queria resgatar alguns aspectos dessas memórias afetivas ainda tão coloridas e tão vivas dentro de mim.
Sempre tive um fascínio pelo sertão e pelas paisagens geográficas e humanas do interior. Costumo dizer que sou muito urbana, nasci e cresci em meio às mudanças e ao processo de globalização e das grandes transformações da tecnologia e da comunicação, mas com raízes que se estendem ao interior. Esse interior que guarda antigas tradições, mas também está “conectado” no mundo. Entre os meus fascínios de infância está o reisado, pela sua alegria, pelas suas cores, pelo seu brilho, suas lutas, suas danças e canções. Essa memória do reisado vem sobretudo da cidade do Crato e do
Mestre Aldenir, um mestre da cultura do Ceará que eu conheço desde criança. Em Fortaleza, muitas vezes ele visitava a nossa casa, quando ele vinha com o seu grupo de brincantes para realizar apresentações na capital.
Mestre Aldenir e Mestra Izabel têm uma espécie de escolinha de saberes do reisado, em uma vila rural, no Crato. Eles fazem um trabalho muito bonito com as crianças, ensinam dança, canto, música e interpretações performáticas. O reisado é uma dança dramática, uma espécie de ópera popular. É um teatro popular cantado e dançado, com características próprias de interpretação, bem diferente da atuação naturalista do cinema, mas que foi adaptado. As crianças responderam bem, gosto muito delas no filme. Os meus três atores mirins principais, Lara Ferreira e Daniel Almeida (ambos de Fortaleza) e Juan Calado (do Recife), foram muito dedicados e atentos. Mestre Aldenir, hoje com 88 anos, continua sendo o um herói, um guerreiro valente, senhor do canto, da dança, e do jogo de espadas. Eu quis homenageá-lo nesse filme.
É sempre difícil dirigir e produzir ao mesmo tempo. As locações eu já conhecia, por conta de outros trabalhos de cinema que realizei no sertão central e no Cariri cearense. Petrus Cariry, o fotógrafo do filme, também conhece bem aquelas paisagens. Com os atores adultos (Georgina Castro e Bruno Goya) foi tranquilo, são atores experientes. Na preparação do elenco infantil, contei com a colaboração de Bruna Chiaradia, atriz, amiga e parceira de outros filmes. Tudo fluiu de forma muito orgânica. Fazer um filme de estrada com um elenco infantil é sempre um bom desafio, mas a equipe, formada em sua maioria por mulheres, foi entrando no ritmo e superamos bem as dificuldades. Não faltou garra. Rodei esse filme em apenas um mês. Como diretora, eu precisaria de mais tempo, mas como produtora eu sabia que os recursos de produção não permitiam. Tive que mediar, dentro de mim mesma, esses dois interesses conflitantes. Chegamos a um bom acordo.
Antes eu tinha realizado três curtas-metragens de temáticas mais gerais e tinha escrito dois roteiros de curta-metragem com temática infanto-juvenil, que foram rodados pelo Petrus: Uma Jangada Chamada Bruna (2004) e Reisado Miudim (2008). Os dois roteiros já tratavam também de crianças na beira do mar e de crianças brincando no reisado. Esse longa-metragem retoma, de alguma forma, essas minhas primeiras experiências com esses dois roteiros. Eu sempre gostei muito do gênero infanto-juvenil. No caso de PEQUENOS GUERREIROS, gosto sobretudo da singeleza da história, dos pequenos acontecimentos que se transformam em emoções, do que é revelado na diversidade geográfica e humana.
Não é um filme de aventura no sentido clássico, ele tem um olhar mais delicado, mais serenado, filtrado pela sensibilidade de quem revista a infância com muito cuidado, quase como quem toca em uma flor.
PEQUENOS GUERREIROS é uma livre fruição. É um filme de dramaturgia e de ações mínimas, deixando espaço para que a criança também possa projetar a sua imaginação e as suas fantasias. Quero abrir um diálogo entre a criança da grande cidade, frequentadora de shopping e dos espaços marcados pelas muralhas de edifícios, com a amplidão dos sertões, das serras e dos vales, com as festas e os folguedos populares, sobretudo com o encontro, a solidariedade e a emoção de uma turminha que viaja junta para fazer suas pequenas descobertas e ritos de iniciação.
O Children’s Film Festival Seattle, nos EUA, é um dos importantes festivais de cinema infantil-juvenil do mundo. Fiquei feliz de ter o meu primeiro longa-metragem escolhido para participar desse importante festival, sobretudo por conta da temática que religa espaços diferenciados, outras culturas e tradições. É sempre importante ter uma estreia internacional expressiva. Durante todo esse ano, vamos divulgar o filme em algumas mostras e festivais, preparando-me para lançá-lo em salas de cinema em seguida. Possivelmente nesse tempo já teremos a vacina contra a Covid-19 amplamente aplicada na população brasileira e vivendo melhores expectativas.”

