“BABILÔNIA” E A QUESTÃO DO ELEFANTE NA SALA.

Por Celso Sabadin.

Que fique bem claro: no filme “Babilônia”, quando um elefante defeca sobre algumas pessoas, ele defeca mesmo: quilos e quilos. Muitos. Com direito a close exatamente onde você está pensando. Esta advertência não é moralista, mas apenas um pequeno aviso para deixar claro que “Babilônia” é um filme repleto de excessos. Divertido, dramático, emocionante para os fãs de cinema, visualmente belíssimo, mas repleto de excessos. O do elefante nem seria o mais intenso. E talvez nem pudesse ser diferente, já que seu tema é Hollywood. O que poderia ser mais excessivo?

O longa (e põe longa nisso: 189 minutos) cobre cerca de três décadas de história da indústria cinematográfica norte-americana, sublinhando a radical transição dos filmes mudos para os falados. Neste quesito, dialoga de perto com “Cantando na Chuva”, embora não seja um musical, e também com “O Artista”.

Neste contexto, o roteiro acompanha a trajetória de quatro personagens principais que tiveram suas vidas radicalmente alteradas por esta transição, sendo três advindos da sociedade dos excluídos, e um da casta dominante. São eles: a jovem aspirante a atriz Nellie (Margot Robbie), o produtor “faz tudo” Manuel (Diego Calva), o músico Sidney (Jovan Adepo) e o astro Jack (Brad Pitt).

Os quatro são apresentados ao público logo numa das primeiras e mais ostentatórias sequências do filme, uma gigantesca orgia empreendida pela Hollywood dos chamados “loucos anos 20”, onde não faltam drogas, sexo, música, bebidas… e o tal elefante.

A partir daí, “Babilônia” se desenvolve entrecruzando as trajetórias destes protagonistas e suas relações com a então jovem arte do cinema. Nellie, vinda do interior, sabe que é uma estrela, e que só falta ser descoberta; o mexicano Manuel também sonha estar num set de filmagem, mas sequer imagina quais caminhos trilhar para isso; o pistonista Sidney se contenta com sua posição de coadjuvante, mas logo terá uma surpresa; enquanto o badalado astro Jack usufrui da fama e da fortuna em toda a sua intensidade.

Nellie, Manuel, Sidney e Jack não representam especificamente alguém ou alguéns que de fato existiram naquela antiga Hollywood, mas sim arquétipos de tipos reais daquele tempo/espaço. Há, sim, algumas referências explícitas de nomes famosos e históricos, como o do produtor Irving Thalberg, citado nominalmente, ou do ator obeso que durante a orgia acaba por matar de overdose uma jovem atriz, referência a Fatty Arbuckle (no Brasil, Chico Bóia) e Virginia Rappe. Por outro lado, percebem-se em Jack fortes traços da biografia de Douglas Fairbanks, embora com finais diferentes.

A questão do filme não é exatamente definir quem é quem, mas sim construir toda uma atmosfera que retrate, num primeiro momento, os feéricos tempos loucos e românticos de Hollywood, para em seguida traçar o contraponto da camisa de força em que a atividade se meteu, a partir do advento do falado. E, nisto, “Babilônia” é nada menos que espetacular.

Há – no mínimo – três momentos que já podem ser considerados antológicos na própria História do Cinema. O primeiro se relaciona a duas cenas que estão sendo filmadas simultaneamente, no deserto, onde tudo parece dar errado e – no último instante – os tais deuses do cinema conspiram para que aconteçam dois momentos mágicos, também simultaneamente.

A segunda é um triste, belo e profundo diálogo sobre a finitude do ator em contraposição à eternidade do personagem.

E a terceira é a descoberta do cinema falado, dentro do Warner Theather, em Nova York. Dá vontade de aplaudir.

Tudo seria perfeito não fosse a tendência do filme aos excessos e exacerbações. Sutileza não é uma palavra que conste do vocabulário de “Babilônia”. Lembra da história do elefante? Pois é: ela é só a primeira. Acredito que todas elas – não darei spoiler sobre quais sejam – poderiam até ser perdoadas não fosse aquele momento trágico (que muitas vezes acontece), já no finalzinho da projeção, em que dá a impressão que o diretor se apaixona pelo próprio filme e não quer mais terminá-lo. Nunca. Jamais.

Falando nisso, o diretor – e também roteirista – de “Babilônia” é um nome já bem acostumado a Hollywood e suas badalações: Damien Chazelle, o mesmo dos premiados “Whiplash” e “La La Land”. A estreia nos cinemas brasileiros é nesta quinta, 19 de janeiro, data do 38º aniversário de Chazelle.