“MALI TWIST” EM PLATAFORMA VIRTUAL.

Por Celso Sabadin.

Em 22 de setembro de 1960, a República de Mali se torna independente da dominação francesa, e faz do socialista Modibo Keita o seu primeiro presidente. Dois anos depois, o país está envolto em um outro tipo de colonialismo – o cultural – através do qual o rock e o twist fazem a cabeça da juventude local, algo que o governo socialista não poderá permitir.

É neste pano de fundo que se desenvolve “Mali Twist”, coprodução multinacional realizada por França, Canadá, Senegal, Itália e Mali, que chega agora à plataforma Reserva Imovision.

Trata-se de um bem articulado painel sócio-político-humano das incoerências que explodem neste país recém-formado. Os jovens discursam, em francês, sobre a necessidade da população se livrar da mentalidade colonial… francesa. Comerciantes endinheirados e líderes histórico-tribais lançam mão das mais variadas argumentações para rejeitar o controle do Estado na distribuição de riquezas: a burguesia apela à meritocracia, enquanto os velhos caciques evocam as tradições seculares. As jovens trocam seus trajes tradicionais por roupas ocidentais assim que pisam nos clubes de twist, e os socialistas recorrem a antigos métodos de espionagem e denúncia para que o novo país não se transforme numa destas antigas autocracias que usam a espionagem e a denúncia como ferramentas de manutenção do poder.

É a velha história: todos querem mudança, mas ninguém quer mudar.

Em meio a tanta efervescência política, a jovem Lara (a modelo cabo-verdiana Alice da Luz, em ótima estreia no cinema) foge de sua vila natal, onde é oprimida por um casamento forçado, e tenta recomeçar a vida ao lado de Samba (Stéphane Bak), militante da juventude socialista e fã de twist. As tempestades da vida política se misturam às da vida pessoal.

Diante da nossa gigantesca e vergonhosa ignorância a respeito da África, é sempre positivo e animador ver um filme daquele continente chegar ao nosso circuito comercial. Mesmo sendo – que pena! – roteirizado e dirigido por franceses. No caso, Gilles Taurand, e o festejado Robert Guédiguian, de “Armênia” e “As Neves do Kilimanjaro”, entre tantos outros.

Não deixa de ser irônico o fato de um filme anticolonialista ser escrito, dirigido e coproduzido pela França, e filmado em Senegal, que serve aqui como “locação” de Mali, país cuja instabilidade política dificultaria ou até mesmo impossibilitaria as filmagens. Da mesma forma, não deixa de ser amargamente colonial a última cena do filme que – sem spoiler – parece dizer “este pessoal não tem jeito, mesmo”.

Porém, de qualquer maneira, acompanha-se com atenção e uma boa dose de afetuosidade esta história de amor estampada com simplicidade – e em cores vibrantes – ambientada numa realidade política de um país em transformação.

No final, sobra apenas uma dúvida: Lênin teria de fato dito que o “Socialismo é a União Soviética após a eletrificação e o o twist”?

O filme pode ser acessando em www.reservaimovision.com.br/