“OS SONHOS DE PEPE”. E DE TODOS NÓS.
Por Celso Sabadin.
Há um provocador paradoxo no documentário “Os Sonhos de Pepe”, que estreia em cinemas nesta quinta-feira, 05/12. Enquanto o protagonista – o ex-presidente uruguaio Pepe Mujica – brinda a plateia com preciosidades de verdades e ensinamentos que anseiam por um mundo mais calmo e simples, a estética e a montagem do longa apontam para os caminhos diametralmente opostos da ansiedade e da fragmentação.
O depoente fala em desaceleração. O filme exala velocidade. O choque de propostas resultou ótimo. A trilha musical segue o mesmo rumo: apoiada basicamente em Villa Lobos e Puccini, o que num primeiro momento poderia apontar para o óbvio, ela encanta e surpreende pela (re)descoberta de temas conhecidos aqui inseridos em situações dicotômicas: o trenzinho do caipira vira o metrô da cidade grande, enquanto o “Nessum Dorma” (ninguém dorme) aponta para uma espécie de “ninguém acorda” para este fim de mundo sobre o qual Mujica nos alerta.
“Prestem atenção nos pássaros, pela manhã: primeiro eles cantam. Depois vão em busca do alimento”. Só este pensamento já vale o filme, que nos escancara este Mujica humanista e defensor das coisas simples da vida. E que nos alerta para o inevitável esgotamento dos recursos naturais de um planeta que não, não vai acabar. Mas que vai expulsar os seres humanos de sua superfície. Em instante menos poético e mais enraivecido, entre palavrões Mujica pergunta por que diabos alguém precisa comprar uma jacuzzi e consumir 300 litros de água para tomar um banho.
Aos 89 anos, Mujica compartilha um pouco de suas memórias e filosofia enquanto embarca e desembarca das incontáveis viagens que empreendeu pelo mundo em uma década de importantes negociações políticas.
Imperdível. Afinal, a voz de um ex-guerrilheiro que doava 90% de seu salário de Presidente da República, de quem anda num fusca azul, e de quem foi o responsável por fazer do Uruguai o primeiro país do mundo a legalizar a maconha, precisa ser ouvida. Com muita atenção.
A direção é de Pablo Trobo, que conheceu Mujica ainda como cinegrafista em sua campanha presidencial.

