A OPULÊNCIA BARROCA DE “MILTON BITUCA NASCIMENTO”.

Por Celso Sabadin.

Há um momento no documentário “Milton Bituca Nascimento” em que o personagem documentado fala sobre sua adoção. Sua imagem e sua fala são editadas sobrepostas a um outro depoimento – do próprio Milton – no qual ele discorre sobre o mesmo assunto. A tela é dividida ao meio – mostrando duas imagens diferentes de Milton – e os sons de ambas as falas se sobrepõem, simultaneamente. Como se o resultado já não fosse confuso o suficiente, uma trilha musical no fundo adiciona mais um som à cena, embaralhando os áudios.

 

Essa verdadeira, digamos, ostentação maneirista de fusões e sobreposições de sons e imagens é uma das normas deste documentário. A câmera parece jamais estacionar. A linguagem dos videoclipes aplicada a um longa metragem de duas horas exaure. Tudo bem que tais grandiosidade e opulência jactante são bastante conhecidas como marca registrada da Gullane, uma das produtoras do longa, mas quando o assunto é Milton Nascimento, o que menos se deseja são penduricalhos sonoros e visuais que desviem a atenção do público do que realmente importa: a arte deste grande nome de nossa música.

 

E mais: um prescindível texto em off (narrado por uma Fernanda Montenegro distante de seus melhores momentos vocais) também se espreme por entre depoimentos redundantes, drones supérfluos, e ritmo de montagem de filme de aventura, amplificando ainda mais o nível de ruído de uma obra cujo cerne é – ou deveria ser – a simplicidade da música.  Fica a impressão que a biografia quer ser maior que o biografado. A menos que o longa tenha buscado inspiração no intrincado barroco da terra de Milton Nascimento para construir sua estética. Poderia ser uma explicação.

 

Em algum momento desta nossa maluca contemporaneidade superlativa de impulsos cognitivos deve ter germinado o falso conceito de se associar a multiplicidade de níveis de percepção à qualidade da obra audiovisual, na total contramão da máxima “menos é mais”.

 

A boa notícia, porém, é que a arte de Milton Nascimento é tão marcantemente única e superior que consegue se sobrepor ao labirinto de sons e imagens proposto pelo longa. Poucos conseguiriam.  O roteiro de Marcélo Ferla e da própria diretora, Flavia Moraes, utiliza a grande turnê mundial de despedida do artista como ponto de partida do filme, ao mesmo tempo em que traça pinceladas sobre sua carreira, e busca explicar o inexplicável: como compreender o fascínio que o músico causa no Brasil e no mundo com sua obra? Com este mote, colhe os depoimentos mais elogiosos de nomes gigantescos da música nacional e internacional, como Gilberto Gil, Mano Brown, Pat Metheny, Quincy Jones, Paul Simon, Caetano Veloso, Chico Buarque… Ah, não tem Nelson Mota. Ufa!

Estreia em cinemas em 20 de março.