“O BIXIGA É NOSSO”, MUITO ALÉM DAS CANTINAS.

Por Celso Sabadin.

De uma forma geral, superficialmente, o paulistano médio conhece o bairro da Bela Vista – popularmente conhecido como Bexiga ou Bixiga – como um lugar de colonização italiana, repleto de boas cantinas, famoso também por ser o berço de Adoniran Barbosa. Tal conceito não está errado. Mas está gigantescamente incompleto.

Assim, é mais que bem vinda e adequada a estreia em cinema do documentário “O Bixiga é Nosso”, que abre um horizonte muito mais amplo sobre as origens e lutas do histórico bairro localizado a poucos quilômetros do centro de São Paulo.

A região recebeu novos olhares e mais exposição midiática a partir de 2022, quando as escavações das obras do metrô da futura estação 14 Bis ali encontraram um farto e rico material de interesse arqueológico. Estudos confirmaram se tratar de vestígios do Saracura, um pioneiro e raro quilombo urbano, marco fundamental na resistência da população escravizada, no século 19.

Era tudo o que a exploração urbana e a especulação imobiliária mais poderiam temer: a interrupção das obras do metrô, e o reavivamento da luta da população negra, que tanto se tenta apagar em nosso país.

A descoberta arqueológica potencializou a discussão de outros importantes temas da região. Entre eles, a necessidade de revitalização do hoje canalizado Córrego Saracura, bem como sua transformação em área pública de lazer. O projeto de criação do que seria o Parque Municipal do Bixiga – aprovado em 2020, mas vetado pela prefeitura – retornou à pauta em 2023 como Parque do Rio Bixiga, foi aprovado em 2024, e encontra-se atualmente em fase de desapropriação de terrenos e escolha do projeto arquitetônico.

Somem-se a isso as questões judiciais envolvendo o icônico Teatro Oficina e o Grupo Sílvio Santos; a remoção da tradicionalíssima Escola de samba Vai Vai; a retalhação do bairro provocada pela construção da Ligação Leste-Oeste, nos anos 1960; o tombamento de cerca de 900 imóveis da região; a proliferação dos barzinhos e casas de shows, nos anos 80; a festa da Achiropita; os movimentos de migração nordestina; a resistência da população negra… e até as cantinas italianas.

É muita história para um único documentário, mas o roteiro de Ana Durães e a direção de Rubens Crispim Jr. dão conta da tarefa de forma ágil, informativa e extremamente atrativa para quem gosta de conhecer os meandros das nossas histórias urbanas.

Ah! Outro bairro paulistano que também passou e passa por um forte processo de tentativa apagamento de suas raízes quilombolas e suas lutas raciais é a Liberdade, ali bem pertinho do Bexiga. Vale outro documentário!