O “ESCÂNDALO” E A OCUPAÇÃO DOS EUA NO JAPÃO.

Por Celso Sabadin.

Encontrei meio que por acaso no YouTube esta pequena preciosidade dirigida e corroteirizada pelo grande Akira Kurosawa, em 1950: “Escândalo”, produção da Shochiku da época da ocupação norte-americana no Japão (1945-1952).

Sim, crítico de cinema também tem seus “achadinhos”.

Eu havia lido em “História do Cinema Japonês”, de Maria Roberta Novielli, que, naquele período, fazia parte do processo de domínio cultural imposto pelos EUA sobre o Japão “ocidentalizar” o cinema japonês. Desta forma, o primeiro beijo romântico das telas nipônicas só ocorrera em 1946, “incentivado” pelas novas normas cinematográficas da ocasião. Novielli escreve também que o tal beijo abrira uma onda de erotismo na mídia impressa do país, desaguando em publicações sensacionalistas impensáveis na época de Hiroíto.

É neste contexto de crítica social que nasce o filme de Kurosawa. “Escândalo” mostra uma cantora famosa e um artista plástico (interpretados por Yoshiko Yamaguchi e Toshiro Mifune) que inadvertidamente se vêm no centro de uma celeuma sexual provocada por uma publicação irresponsável e sensacionalista, a partir de uma fotografia manipulada. O próprio editor da revista (ironicamente denominada “Amour”), afirma para seus fotógrafos que não há a menor importância se a tal foto condiz ou não com a verdade, pois “Se publicar, o leitor acredita”. E se for mentira, basta colocar uma pequena errata depois, num canto de página qualquer. Nada muito diferente do que vemos hoje.

Os tais conceitos “modernizantes” que a dominação estadunidense impunha sobre o filme japonês já podem ser observados desde as cenas iniciais, que mostram um herói/protagonista pilotando velozmente sua moto, com ares de rebeldia. Ele chega a afirmar que associa a moto com a ideia de liberdade, isso três anos antes de Marlon Brando em “O Selvagem” e quase vinte antes Peter Fonda e Dennis Hopper em “Sem Destino”.

Mais adiante, em uma cena ente o artista e uma de suas modelos (interpretada por Noriko Sengoku), o protagonista questiona se deve continuar fazendo pinturas de nus. “Começo a ter dúvidas sobre a arte de nus no Japão. Não temos tradição e nem mentalidade para aceitar corpos nus”, ele afirma. Por sua vez, a modelo diz não se sentir mais à vontade para posar nua, pois seu corpo tornou-se flácido após a gravidez. O tema era dos mais palpitantes naquele tradicional Japão agora sob o jugo dos aliados.

Na sequência, “Escândalo” altera seu foco para a corrupção no meio judicial, aposta no melodrama, e finaliza com o protagonista se confessando ingênuo por acreditar no triunfo da verdade. Tudo com a já visivelmente genial mise-en-scène de Kurosawa, com seus fascinantes enquadramentos e montagem esperta. Ah, sim, também há cenas com ventanias, marca registrada do diretor.

“Escândalo” estrou no Japão em abril de 1950, apenas quatro meses antes de Kurosawa lançar no circuito japonês aquele que seria seu filme/passaporte para o mercado e a fama internacionais: “Rashomon”.

“Escândalo” está disponível gratuitamente em https://www.youtube.com/watch?v=xNvANxqg8O4