“PARAÍSO” E O INFERNO BRASILEIRO.  

Por Celso Sabadin.

Fui tomado por uma amarga desesperança após assistir ao documentário “Paraíso”, na noite deste domingo, durante o 20º CineOP. Roteirizado e dirigido por Ana Rieper, o longa traça um amplo mosaico sobre como o nosso passado colonial exploratório abriu amplas chagas e criou raízes profundas em nossas maneiras de ser e viver. Chagas e raízes que – como não é difícil de perceber – permanecem até os dias de hoje vilipendiando a nossa cultura e a nossa sociedade, talvez e provavelmente de maneira impossível de reverter. Daí minha desesperança.

“Paraíso” não busca, contudo, a narrativa didática ou explicativa. Nada de depoimentos de especialistas gravados no estilo “cabeças falantes”. A estética escolhida foi a da colagem. Durante quase uma hora e meia, desfilam na tela fragmentos de sons e imagens da nossa História que preferiríamos ter esquecido, entremeadas por trechos de textos referentes à nossa formação enquanto país.

Revivemos com profunda desolação Paulo Maluf pregando seu icônico “estupra, mas não mata”, pastores comparando relacionamentos a automóveis (“põe combustível que funciona”), ex-ministros falando em “passar a boiada”, e um infindável número de cenas escancarando nossas mazelas. A ligação do nosso quase presente ao nosso passado é sempre referenciada, o que potencializa ainda mais a sensação quase certeza de que, nos últimos 500 anos, nada mudou por aqui.

Em determinadas cenas, a plateia até ri. De nervoso.

Quem não tem a menor consciência histórica e social jamais verá “Paraíso”. Ele não vai passar na igreja, nem nos redutos do agro, muito menos nas reuniões da Faria Lima. E mesmo se alguém o vir nestes lugares, não o compreenderá. Para quem tem a consciência, o longa não traz novidades, e nem é a sua proposta.  Mas ver tanta realidade junta, em tão pouco tempo, tão amarrada à nossa triste história, e tão imutável, é desalentador. Pra dizer o mínimo.

Quem dirige

Nascida no Rio de Janeiro em 1975, Ana Rieper possui formação em Cinema e Geografia pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Sua carreira no cinema teve início em 1998 com o curta-metragem “Saara”, premiado como melhor filme no 2º Festival do Filme Documentário e Etnográfico de Belo Horizonte e melhor direção no 1º Fest Cine.

Mudou-se para Aracaju entre 1998 e 2002, onde trabalhou com a ONG Sociedade Canoa de Tolda, que atuava com as populações ribeirinhas do baixo rio São Francisco. Essa experiência aprofundou sua conexão com o interior do Brasil e influenciou diretamente seus trabalhos futuros, como o documentário “Na Veia do Rio”. Alguns de seus trabalhos mais conhecidos incluem: “Vou Rifar Meu Coração” (2011), “5 X Chico – O Velho e Sua Gente” (2015), “Clementina” (2018) e “Nada Será Como Antes – A Música do Clube da Esquina” (2023).