VIAGEM AO UNIVERSO DE OSHIMA.
Por Celso Sabadin.
Nestas minhas andanças pelo mundo virtual à caça de filmes para pesquisar acabei me deparando com um interessante endereço que parece disponibilizar várias raridades para o pesquisador, ou simplesmente para o cinéfilo. É o “m.ok.ru”, que pela terminação “ru” já se percebe que se trata de um site russo.
A boa notícia é que – me parece – ele tem muita coisa boa. A má notícia é que ele vem escrito em alfabeto cirílico. Se dá pra trocar o idioma eu não sei, porque, se der, o comando de troca está em russo. Mas quando se pesquisa, no Google mesmo, pelo título original do filme, a busca já te encaminha direto para o m.ok.ru, já no link correto. Aí é uma questão de torcer para que as legendas estejam num idioma que a gente conheça. Pelo que eu entendi, não tem como baixar: só rola online mesmo, mas tudo bem. A qualidade das imagens é muito boa.
Como atualmente eu estou fazendo uma pesquisa sobre o cinema japonês dos anos 1950 e 60, procurei neste endereço russo os dois primeiros filmes do Nagisa Oshima. E dei sorte. O primeiro estava com legendas em inglês e o segundo – vejam só! em português. O único probleminha, perfeitamente contornável, é que todas as letras acentuadas, ou cedilha, apareciam na legenda como um pequeno losango. É raro, mas acontece muito.
Não sei se o site tem comando que permita trocar o idioma das legendas, porque, se tiver… isso mesmo, estará escrito em cirílico. E a única coisa que eu sei neste alfabeto é CCCP.
UMA CIDADE DE AMOR E ESPERANÇA
Pela ordem, então, comecei com “Uma Cidade de Amor e Esperança” (“Ai to kibo no machi”), estreia de Oshima no longa metragem, lançado em 1959. Que delícia! Com argumento e roteiro do próprio diretor, o filme tece severas críticas às condições econômicas do Japão pós Ocupação Aliada ao mostrar um jovem que – para sustentar a si próprio e à mãe enferma (cujo seguro saúde já expirou) – vende pombos vivos na praça. Sim, pombos. Estes mesmos, que tem aos montes por aí.
O encanto do roteiro reside no fato do objeto da venda ser um pombo correio, ou seja, o rapaz vende, o comprador leva embora, e a mercadoria vendida volta para o vendedor no dia seguinte. Genial. A partir do momento em que uma bela jovem cai no conto do pombo correio, o filme desenvolve toda uma discussão sobre ética e diferenças sociais, mesmo porque a moça é bem mais rica que o jovem. E um clima de atração e afeição entre ambos aconteceu desde o primeiro contato.
Singelo e afetivo, sem deixar de ser sarcástico e provocativo, “Uma Cidade de Amor e Esperança” é uma pequena (pouquinho mais de 1 hora) preciosidade que já sinaliza o grande diretor que Oshima será.
JUVENTUDE DESENFREADA
No ano seguinte, Oshima lança seu segundo longa “Juventude Desenfreada” (“Seishun zankoku monogatari”). Sabe a simplicidade poética de “Uma Cidade de Amor e Esperança”? Esquece! Aqui o argumentista/diretor/roteirista destila toda sua irada indignação que nutre pelo seu Japão contemporâneo dominado e oprimido pelo capitalismo ali compulsoriamente instaurado no pós Guerra.
Logo nos primeiros momentos do filme, um rapaz salva uma garota de ser estuprada. Ele combina de encontrá-la no dia seguinte… quando ele próprio se encarrega, então, do estupro. Agredida e humilhada, a vítima se apaixona doentiamente pelo algoz, e ambos montam um esquema de extorsão contra homens mais velhos. É bem pesado, cruel.
É preciso contextualizar que o filme marca os primeiros momentos da “Noberu Bagu”, movimento cinematográfico no qual a juventude se impõe sobre os antigos mestres clássicos (Ozu e Mizoguichi, por exemplo), criando um cinema visceral, erótico, gráfico e violento. E que o Japão, mesmo tendo se livrado há apenas oito anos da ocupação aliada do pós Guerra, ainda passa pela humilhação de continuar servindo de base militar para os EUA.
Oshima, assumidamente esquerdista, vive na pele a contradição de seu país. Em uma cena específica, seu protagonista questiona se os movimentos populares estudantis que acontecem pelo Japão seriam um instrumento de descarrego do ódio da juventude.
Ódio, aliás, é o que não falta no filme. O título brasileiro “Juventude Desenfreada” tenta criar uma ligação com o sucesso do estadunidense “Juventude Transviada”, lançado aqui no final de 1955. Uma tradução mais correta do filme seria “Contos Cruéis da Juventude”, como foi seu título em Portugal.
Pretendo continuar com essa viagem pela obra de Oshima, via site russo. Agora faltam só uns 40 filmes do cineasta para ver ou rever.