“TRANSEUNTE”, DE ERYK ROCHA, ELEVA O NIVEL DO FESTIVAL DE BRASÍLIA.

Como quase sempre acontece nos eventos de cinema, o segundo dia da mostra competitiva deste Festival de Brasília foi sensivelmente melhor que o primeiro. Tanto nos curtas como no longa metragem.

A noite foi aberta em grande estilo com a exibição do ágil “Angeli 24 Horas”, curta carioca (quase média, pois tem 25 minutos) dirigido por Beth Formaggini. Trata-se de um documentário sobre o cartunista paulista Angeli, suas crises criativas e sua profunda obsessão pelo trabalho. O filme cria uma feliz associação de imagens e idéias relacionando o alucinado processo de criação do cartunista com a nacionalmente famosa velocidade estressante da capital paulista. Há ótimas soluções estéticas para fugir do lugar comum, como a projeção das obras do entrevistado e o cenário misto de luz e traços que emoldura o próprio objeto do filme. Tudo acentuado por uma forte e vibrante trilha sonora, sublinhada pelo som do Cine Brasília, um pouco alto demais, pelo menos para os ouvidos deste senhor que vos escreve.

Na sequência foi exibido o curta mineiro “Contagem”, de Gabriel Martins e Maurilio Martins. A apresentação do filme foi cercada de grande emoção: os jovens realizadores chegaram às lágrimas ao dizer da felicidade deles em subir no famoso palco do Cine Brasília, por onde já passaram os mais importantes cineastas do Brasil. Foi um choro real, ótimo para relembrar, aqui na capital da política, que Cinema é emoção acima de tudo. O filme entrelaça quatro personagens na cidade de Contagem (MG) que viverão uma bem urdida trama de solidão e morte observada por diferentes pontos de vista. Impossível não lembrar de Tarantino.

E a noite foi encerrada com o carioca “Transeunte”, primeiro longa de ficção de Eryk Rocha, filho do famoso Glauber. Impossível não usar o aposto. Mesmo porque a inquietação, o inconformismo e a veia criativa parecem estar no DNA do cineasta. Totalmente rodado num belíssimo preto e branco, “Transeunte” narra o cotidiano de Expedito (Fernando Bezerra, desde já forte candidato ao Candango de melhor Ator, na foto ao lado do diretor), um homem solitário que vive seus primeiros dias de aposentadoria num antigo e pequeno apartamento no centro do Rio de Janeiro.

A câmera de Rocha acompanha Expedito contemplativa, lenta e silenciosamente. O público é convidado a mergulhar no universo deste protagonista que tem um tempo totalmente próprio, isolado do ritmo da cidade grande que, mais que o rodear, o cerca. Contrariamente ao significado de seu próprio nome, Expedito não tem pressa. O filme também não. De sua janela ele observa uma gigantesca, barulhenta e poeirenta obra que resultará em três empreendimentos imobiliários. Ele nem liga. Ou diz não ligar. Caminha longamente pelas ruas ouvindo trechos de conversas alheias, fragmentos de programas populares de rádio e deliciosas músicas de dor de cotovelo que divide com cantores anônimos num pequeno sarau noturno promovido por um acolhedor boteco. Para onde vai Expedito? Para onde vai o filme?
O público que se propuser a viajar na proposta intimista de Eryk será brindado com uma belíssima obra cinematográfica de grandes planos, bela fotografia do franco-uruguaio Miguel Vassy (fotógrafo também de “Waldick, pra Sempre no Meu Coração”) e um nada menos que genial trabalho de trilha sonora (do cearense Fernando Catatau), elemento fundamental dentro da própria dramaturgia do filme.

“Transeunte” é Cinema na verdadeira e maior acepção da palavra.

Celso Sabadin viajou a Brasília a convite da organização do evento.

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