SEMANA DE 22 FAZ 90 ANOS.
Há 90 anos, o Theatro Municipal de São Paulo acolheu a Semana de Arte Moderna, considerada um divisor de águas na produção artística brasileira. Aracy Amaral, historiadora especialista no assunto, compara a importância da “Semana de 22”, como é simplesmente chamada, à obra de Aleijadinho no século 18 e à chegada da Missão Francesa ao Rio de Janeiro, no começo do século 19.
A Semana consistiu em uma exposição, instalada no saguão do Municipal, entre os dias 13 e 18 de fevereiro, e sessões de leituras de poemas, audiências musicais e conferências, realizadas no palco do Theatro nas noites dos dias 13 e 17 e na tarde do dia 15. De segunda a sábado, o público pôde apreciar o que havia de mais inovador na produção artística brasileira naquele momento. A exposição reunia esculturas em bronze, mármore e madeira, desenhos arquitetônicos e maquetes, aquarelas, óleos e colagens. Entre os escultores, estavam o ítalo-brasileiro Victor Brecheret, o carioca Hildegardo Leão Veloso e o alemão Wilhelm Haarberg. Antonio Garcia Moya, de origem espanhola, e Georg Przyrembel, arquiteto polonês radicado em São Paulo desde os anos 1910, apresentaram projetos arquitetônicos de residências, templos, túmulos e monumentos. Os artistas Ferrignac, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Regina e John Graz, Vicente Rego Monteiro, Martins Ribeiro, Zina Aita e Yan de Almeida Prado participaram com pinturas, gravuras e desenhos.
Do festival literário e musical, tomaram parte Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Antonio de Alcântara Machado, Guilherme de Almeida, Menotti del Picchia, Sérgio Milliet, Graça Aranha, Heitor Villa-Lobos e Guiomar Novaes, entre outros. A irreverência foi uma das marcas do evento. O compositor Villa-Lobos apresentou-se ao piano, acompanhado por um grupo de músicos do Rio de Janeiro. E, para surpresa da plateia, calçava chinelos, em razão de uma crise de gota.
Apesar de uma divulgação inicial relativamente tímida, a Semana teve grande repercussão na imprensa e no meio artístico a partir daqueles dias de fevereiro de 1922. Os ingressos para as sessões artísticas eram vendidos na sede do Automóvel Clube Paulista, no Vale do Anhangabaú. O público, em grande parte composto pela aristocracia paulistana e por estudantes, lotou o Theatro, mas a arrecadação da bilheteria não foi suficiente para pagar os 847 mil réis relativos ao aluguel da Casa, complementados por doações de apoiadores. À época, o Theatro Municipal costumava ser alugado para a realização de eventos diversos, dada a escassez de salões para convenções e congressos na cidade. A Prefeitura concordou em alugar o local para a realização da Semana graças à intermediação de Paulo Prado, um dos apoiadores do evento e filho do Conselheiro Antonio Prado, prefeito da cidade entre 1899 e 1911.
A ideia de se realizar um festival de arte moderna teria nascido das conversas entre poetas, escritores, jornalistas e artistas plásticos, como Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Guilherme de Almeida, Menotti del Picchia, Di Cavalcanti e Anita Malfatti, apoiados moral e financeiramente pelo escritor e diplomata Graça Aranha. O grupo era animado pelo desejo de escandalizar a burguesia paulistana e tudo aquilo que considerava retrógrado e ultrapassado, quebrar paradigmas e mudar a mentalidade em relação à arte.
A cidade de São Paulo vivia um surto industrial e um intenso movimento de urbanização. A forte presença de imigrantes europeus na composição da população dava à cidade características especiais e ares de metrópole. Sobre os idealizadores da Semana, era inegável a influência do “futurismo” de Filippo Marinetti e sua proposta de rejeição ao moralismo e ao passado, apostando numa estética baseada no progresso e no avanço da tecnologia. A nova estética proposta pelos participantes da Semana de 22 valorizava elementos da formação nacional e da vida urbana, com seu ritmo acelerado e fugaz. A ideia da “antropofagia” se criou nesse momento, com o desafio de assimilar a contribuição do estrangeiro sem copiá-la, transformando-a em coisa tipicamente brasileira.
Encerrada a Semana de 22, coube aos modernistas construir uma obra baseada nos conceitos que defendiam. Seu legado influenciou outras gerações de artistas brasileiros nas décadas seguintes, não apenas na literatura e na música. Em São Paulo, berço da Semana, esse legado ainda está nas ruas e parques, seja nas construções projetadas por arquitetos como Gregori Warchavchik e Oscar Niemeyer, seja nas esculturas públicas de Brecheret, das quais o Monumento às Bandeiras (foto) é uma das mais emblemáticas.
Matéria gentilmente cedida pela revista “Em Cartaz”, da Secretaria Municipal da Cultura de São Paulo.