CINE OP 2015: A CRUEZA E A CRUELDADE DE “RETRATOS DE IDENTIFICAÇÃO”.

Por Celso Sabadin, de Ouro Preto.

São retratos crus, ríspidos, secos. São fotografias cruéis que registram a brutalidade de uma época que alguns querem esquecer, que outros precisam lembrar, e que todos precisam denunciar, para que nunca mais aconteça. São “Retratos de Identificação”, documentário de Anita Leandro que, pela primeira vez, constrói um filme a partir de acervos fotográficos dos próprios instrumentos de repressão da época da ditadura militar. Passado mais de meio século do golpe de 64, a abertura destes arquivos públicos começa a fazer exatamente aquilo que os golpistas mais temiam: produzir provas contra si mesmos.

A diretora faz a bem-vinda opção estética de tratar seu filme com a mesma aridez das fotografias que lhes serviram de base: sem retoques, sem subterfúgios cênicos. Coloca seus depoentes diante de um asséptico fundo branco, elimina qualquer penduricalho visual e/ou sonoro, e deles extrai a verdadeira essência daquele período de chumbo da história brasileira. De tão espartana, a fotografia quase dói nos olhos. E certamente dói na alma.

Para abranger o geral, “Retratos de Identificação” foca o particular. Abraça o universo da tortura ao centralizar sua narrativa na história pontual de Antônio Roberto Espinosa, Reinaldo Guarany e Maria Auxiliadora Lara Barcellos. Os dois primeiros, sobreviventes da barbárie, narram para as lentes de Anita Leandro suas histórias de resistência e como suas trajetórias cruzaram com a de Maria Auxiliadora, aqui registrada em imagens de seu exílio no Chile.

Inédito no circuito comercial, o filme é fruto de quatro anos de pesquisas nos acervos do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) da Guanabara, do Serviço Nacional de Informações (SNI) e do Superior Tribunal Militar. São fotografias e documentos relacionados à prisão, exames de corpo de delito, necropsia e exílio de um pequeno grupo de guerrilheiros. Para os mais jovens, são histórias tão inacreditáveis que podem parecer tiradas de um filme de ficção. Mas quem as vivenciou, direta ou indiretamente, sabe que na verdade trata-se de um filme de horror.

Celso Sabadin viajou a Ouro Preto a convite da organização do evento.