“TORQUATO NETO”, QUANDO PARECIA QUE TUDO IA DAR CERTO.

Por Celso Sabadin.

Quando eu era garoto, e fazia as lições de casa sempre com o rádio ligado, aprendi com os locutores daquela época que as canções tinham quase sempre dois autores: um que fazia a música, e o outro que fazia as letras. Isso porque era costume, naquele momento, dar o crédito a ambos, sempre no final da canção. Os nomes vinham em pares: João Bosco/ Aldir Blanc, Milton Nascimento/ Fernando Brant, Ivan Lins/ Vitor Martins. Ou Caetano Veloso, dele mesmo; Chico Buarque, dele mesmo e assim por diante. O tempo foi passando e, talvez pela pressa endêmica que se instaurou na sociedade, estes créditos foram gradativamente sendo suprimidos. Na era da celebridade, elegeu-se apenas o intérprete midiático para ser creditado, como se as canções surgissem do nada. Fenômeno similar acontece com a imprensa especializada em cinema, que vive falando dos diretores, mas invariavelmente se esquece que os filmes foram escritos por roteiristas, que quase nunca são citados. Mas isso já é outra história.

Toda esta introdução para saudar entusiasticamente a estreia do documentário “Torquato Neto – Todas as Horas do Fim”, filme que revela a importância que o poeta piauiense teve na construção do inquietante cenário musical brasileiro que abalou as estruturas culturais daqueles revolucionários anos 1960. Sabemos de cor até hoje e nos emocionamos inúmeras vezes com textos de Torquato sem termos a consciência que eram dele. Ou talvez sem a consciência de sua própria existência. O letrista, o poeta, este talento quase anônimo, dilui-se na enxurrada de informações e estímulos audiovisuais que optaram por endeusar rostos e vozes de fácil identificação popular, em detrimento do conteúdo da palavra. Assim, documentá-lo em filme é uma iniciativa mais que bem-vinda, necessária, justa e urgente. Uma urgência que se potencializa ainda mais nestes tempos em que prevalece exatamente o contrário de tudo aquilo que as mentes libertárias dos 60 apregoavam, acreditavam e lutavam por.

Foi difícil desatar o nó da garganta enquanto assistia a “Torquato Neto – Todas as Horas do Fim”.  Foi difícil (re) tomar contato com aquele momento histórico em que parecia – e só parecia – que finalmente a Humanidade fosse tomar seu caminho rumo a uma tal felicidade.

No documentário foram selecionados 200 fotos, 40 trechos de filmes, 26 textos da autoria de Torquato Neto, entre poemas, colunas de jornal, cartas para amigos e parentes e trechos de diários. No filme, sua voz é do ator Jesuíta Barbosa. Somam-se a isso uma rara entrevista em áudio e 19 músicas do biografado nas vozes de Gil, Caetano, Edu Lobo, Jards Macalé, Elis Regina, etc. O filme conta ainda com depoimentos dos próprios Gil e Caetano, Tom Zé, Augusto de Campos, Ivan Cardoso, Jorge Salomão, e vários outros.

“Torquato Neto – Todas as Horas do Fim” é o primeiro longa de Marcus Fernando, produtor e pesquisador musical, que estreou no audiovisual como diretor da série de TV “Cale-se – A censura musical”. E o segundo do diretor Eduardo Ades, do também ótimo “Crônica da Demolição”.

Com estreia em 8 de março, “Torquato Neto – Todas as Horas do Fim” é mais do que um filme: é um pedaço necessário de nossa história e dos nossos corações.