“10.000 AC” É SÉRIO OU BRINCADEIRA?

Há 12 anos, desde que vi – e adorei – “Independence Day”, uma pergunta não me sai da cabeça: o diretor alemão Roland Emmerich fala sério ou é um brincalhão? Agora, com o lançamento de “10.000 AC”, do mesmo cineasta, esta pergunta se mostra cada vez mais distante de ser respondida.

Explicando. Minha leitura de “Independence Day” é de uma “comédia de ação”. Discos voadores sensacionais, cenas de destruição em massa espetaculares, várias referências às deliciosas ficções científicas dos anos 50, e um sarcasmo anti-americano que só poderia vir de um cineasta não-americano. A cena do cachorro, por exemplo, saltando fora do fogo no último segundo, nada mais pode ser que uma grande brincadeira com os clichês das aventuras hollywoodianas. E os terráqueos vencendo os alienígenas em pleno 4 de Julho me pareceu uma enorme gozação em cima do patriotismo exacerbado dos sobrinhos de Tio Sam. Comédia, e das boas. Com direito a Casa Branca explodindo, uhuuu!

Depois vieram “O Patriota”, “Godzillla” e “O Dia Depois de Amanhã”, fora “Malditas Aranhas”, que Emmerich produziu, mas não dirigiu. Todos – ao meu ver – são exageros cômicos sobre alguns dos mais significativos gêneros do cinemão americano. Divertidas e bem produzidas paródias que satirizam o “american way of making movies”. Infelizmente não vi, do mesmo diretor, “Hollywood Monster”, de 1987, trash sobre um fantasma que toma o corpo de um alienígena para assombrar uma equipe de filmagem. Deve ser um clássico.

Tudo isso para chegar em “10.000 AC”, nova investida de Emmerich no gênero “paródia blockbuster”, satirizando agora a aventura épica. Acho eu. A história se passa – é claro – 12 mil anos atrás, e fala do garoto D`Leh, cujo pai foi acusado de abandonar a tribo justamente num momento de fome e privações, quando mais ele era necessário. O menino, estigmatizado por ser o filho de um covarde, cresce como um inseguro caçador. Mas quer o destino que D´Leh se transforme no grande salvador e líder de seu povo, graças a uma série de desventuras que o levarão a tomar atitudes nunca antes imaginadas por ele, em terras jamais percorridas por ninguém de sua tribo.
Em seu conteúdo, “10.000 AC” é uma aventura séria. Mas é impossível deixar de notar a veia cômica de Emmerich ao se analisar a forma como ele conduz o filme. Os habitantes tribais – quase selvagens – falam um inglês sem restrições. Têm dentes branquíssimos e perfeitos. São todos solenes, com vocabulário e empostação de voz típicos dos clássicos hollywoodianos dos anos 50 ambientados no Império Romano. Fora a profusão de cenas em câmera lenta que lembram comerciais de shampoo. Ou seja, Emmerich só pode estar brincando – novamente – com os próprios clichês do cinema.

Por outro lado, a direção de arte e as imagens geradas por computador são – outra vez – de tirar o fôlego, criando com força faraônica gigantescas civilizações perdidas (filmadas na África e na Nova Zelândia) construídas por milhares e milhares de figurantes. Virtuais, é claro. Fora uma debandada de mamutes, e um tigre virtual ainda melhor que o leão Aslan de Nárnia. O que não é pouco.
Por isso, volta novamente a pergunta com força total. Um cineasta que manipula a imagem com tamanho preciosismo seria capaz de imprimir à sua narrativa um tom tão – digamos – cafona e ultrapassado, se não fosse por motivações satíricas? Quero acreditar que não. Quero crer que, sim, Roland Emmerich é um gozador. Um pregador de peças, como a que criou com o próprio nome do anti-herói do filme – D`Leh – que é a palavra Herói, em alemão, escrita ao contrário.

Quer mais? Agora só aguardando até 2010, quando veremos o que o cineasta vai fazer com a sua refilmagem de “Viagem Fantástica”, de 1966.