A TENTATIVA DE POLÊMICA DE “A VÊNUS DESNUDA”.

Por Celso Sabadin.
 
Em 1959, as produtoras cinematográficas Beaux Arts Films e Europa G.h.p. – que apesar dos nomes eram norte-americanas – unem seus esforços para desenvolver o projeto “A Vênus Desnuda”, um longa que ousadamente tentaria discutir o falso moralismo e a hipocrisia dos estadunidenses em relação à nudez feminina.
Os autores do argumento e roteiristas – Gabriel Gort e Gaston Hakim – jamais haviam realizado nada antes no mundo do cinema. E, até onde consegui apurar, em mundo algum. Mesmo assim, Hakim assumiria as funções de produtor, e contrataria a totalmente desconhecida Patricia Conelle para o papel título. Tudo muito coerente, pois as produtoras Beaux Arts e Europa tampouco haviam feito filme algum até então.
O diretor, pelo menos, deveria ter alguma experiência. Assim, foi contratado o austro-húngaro Edgar G. Ulmer, especialista em filmes de (muito) baixo orçamento, que na ocasião já acumulara uma bagagem de mais de 40 longas.
 
Desta forma, produtores sem verba junto com roteiristas e atriz sem a menor experiência em cinema lançaram-se à aventura de contar a história do casal Yvonne e Don, ela, uma bela modelo francesa, e ele um jovem e promissor pintor norte-americano. Ambos vivem juntos e felizes em Paris, até que a morte do pai de Don faz com que ele se veja obrigado a retornar aos EUA, para cuidar da mãe. Yvonne vai junto com o marido a contragosto, pois sabe que sua sogra é totalmente contra o casamento.
Chegando à Califórnia, o casal se desmantela: dominadora e possessiva, a mãe de Don não consegue aceitar o passado de Yvonne, que posava nua para vários artistas europeus, e faz de tudo para que o filho de afaste dela. A separação tem desdobramentos que levará todos ao tribunal.
 
“A Vênus Desnuda” é o exemplo clássico que confirma o antigo ditado que diz “De onde nada se espera é que não sai nada mesmo”. O filme é desastroso. Interpretações caricatas de um elenco que recita mecanicamente suas falas aliadas a uma total fragilidade de roteiro e a uma construção de personagens nunca menos que constrangedoramente maniqueísta fazem do filme – revisto agora após mais de 60 anos de sua estreia – seja encarado como uma deliciosa comédia cult. Embora essa nunca tenha sido a intenção de seus realizadores.
 
Se em seus primeiros momentos “A Vênus Desnuda” já se mostra surpreendentemente amador, tudo piora (ou melhora, se encararmos com bom humor) quando a ação se transfere para uma (tosquíssima) corte de justiça. Bill Lough (outro estreante), no papel do juiz, é um capítulo a parte, demonstrando muito mais lascividade em relação às questões da nudez da protagonista que propriamente algum senso de justiça que deveria ter em sua função. E quando a discussão sobre a permissividade dos limites da nudez desanda para o depoimento juramentado de nada menos que um especialista em artes plásticas, o filme torna-se ainda mais impagável.
 
Na verdade, fica nítido que a única razão da existência de “A Vênus Desnuda” é a simples exploração de várias cenas de nudez – tanto masculinas quanto femininas – filmadas de campos de nudismo, que naquele distante 1959 poderiam de fato ter provocado algum alvoroço no conservador público norte-americano… se o filme, pra lá de independente e alternativo, tivesse chegado até ele.
 
Não por acaso, a Beaux Arts Films, a Europa G.h.p., Gabriel Gort, Gaston Hakim, Patricia Conelle, Bill Lough e tantos outros envolvidos no projeto de “A Vênus Desnuda” nunca mais realizaram absolutamente nada no cinema. Edgar G. Ulmer, mais esperto, inventou o pseudônimo Ove H. Sehested e escondeu-se atrás dele para assinar o longa.
 
É pra isso que a gente paga internet.