“AVES DE RAPINA” JÁ VEM COM AUDIODESCRIÇÃO COMPULSÓRIA.

Por Celso Sabadin.
 
A situação já aconteceu com praticamente todo cinéfilo. Você está vendo o filme, sossegado, quando de repente alguém ao lado ou atrás de você começa a explicar para outro alguém, sem fazer nenhuma questão de falar baixo, tudo o que está acontecendo na tela. Quem são os personagens, o que está acontecendo, o que vai acontecer, porque está acontecendo, etc.. É desesperador.
 
Pior ainda quando a voz do tal alguém que está falando sem parar, explicando tudo o que está acontecendo, não vem de ninguém dentro do cinema, mas sim do próprio filme. É o caso de “Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa”, aventura cômica que já vem com audiodescrição compulsória.
 
Na ânsia de explicar detalhadamente não só as origens de Arlequina – personagem do universo DC Comics criada em 1992 por Paul Dini e Bruce Timm – como também todo o seu entorno e contextualização, o roteiro de Christina Hodson (a mesma roteirista de “Bumblebee”, o que está longe de ser uma referência) apela para uma verbalização excessiva, anticinematográfica, que transforma a maior parte do filme numa verborrorragia insuportável. Toda ela, diga-se, vinda da atriz principal Margot Robbie, lindíssima como a Sharon Tate de Tarantino em “Era uma Vez em Hollywood”, e histrioníssima aqui no papel da ex-namorada do Coringa (que não aparece no filme, sorte dele).
 
Acompanhando o excesso, a diretora chinesa Cathy Yan, aqui em seu segundo longa, também partiu para o exagero nos demais quesitos do filme, das interpretações à direção de arte, passando pelas cores, figurinos e maneirismos visuais. O que não chega a ser um grande problema, principalmente numa obra que tem o universo estilizado das histórias em quadrinhos como matriz. Fica difícil, porém, compreender como um filme concebido totalmente nesta nossa contemporaneidade da cultura pop conseguiu produzir cenas de luta tão toscas. Logo as lutas, marco fundamental do cinema corporal e desprovido de maiores ideias que tanto marcou e vem marcando a produção comercial pós-1980.
 
Resta pelo menos um saudável sabor de sororidade que une as cinco personagens que se encontram durante a trama e se “emancipam”, como diz o título, dos grilhões da dominação masculina. Mas não deixa de ser lamentável que a DC – que em 2019 acertou tão em cheio com seu “Coringa” – inaugure 2020 de forma tão decepcionante.