47a. MOSTRA DE SP: TRÊS DOCUMENTÁRIOS ESSENCIAIS MAPEIAM O CINEMA BRASILEIRO.

Por Celso Sabadin.

Antes tarde do que nunca. Aos poucos, dentro do ritmo sempre claudicante da cultura brasileira, mapeiam-se através de documentários de longa-metragem capítulos importantes do nosso cinema.

Nesta 47ª Mostra Internacional de São Paulo, por exemplo, destacam-se três filmes neste sentido: “Peréio, Eu Te Odeio” (de Allan Sieber e Tasso Dourado), “Nelson Pereira dos Santos – Vida de Cinema” (de Aída Marques e Ivelise Ferreira), e “Roberto Farias – Memórias de um Cineasta” (de Marise Farias).

Cada qual à sua maneira, os três são imperdíveis.

 

“PERÉIO, EU TE ODEIO”

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Dicionários registram a palavra “hagiografia” como sendo a biografia de um santo e/ou, por extensão, uma biografia excessivamente elogiosa. Não sei se existe um antônimo para esta palavra. Existindo ou não, o fato é que o documentário “Peréio, Eu Te Odeio” seria esta contraposição: uma biografia realizada para falar mal de seu biografado, o ator Paulo César Peréio.

Para quem não conhece, ou não está ligando o nome à pessoa, Paulo Cesar Peréio é um dos grandes atores da cinematografia brasileira, já tendo atuado em mais de 60 filmes e inúmeras peças teatrais, além de telenovelas, seriados e comerciais de TV. Nas telas, foi dirigido por Glauber Rocha, Arnaldo Jabor, Hugo Carvana, Ruy Guerra e Hector Babenco, entre outros.

Irônico, irreverente e dono de uma voz inconfundível, é também um dos melhores narradores do país. E famoso por ser um dos maiores encrenqueiros da cena brasileira.

Sempre envolvido em confusões e em drogas (tanto as lícitas, como o álcool, como as ilícitas), sua trajetória é repleta de polêmicas, sucessos, atrasos, sumiços, histórias improváveis, e muitas reviravoltas, o que o transforma em personagem único na história do Cinema Brasileiro.

O documentário “Peréio, Eu Te Odeio” não apenas registra toda esta perturbadora trajetória, como também é uma de suas vítimas. Tanto que demorou 23 anos para ficar pronto.

O longa é um acidentado passeio de duas décadas tanto pela vida de Peréio, quanto pela história do cinema brasileiro, documentando seu biografado através de seus próprios depoimentos e de relatos de amigos, familiares e parceiros de cena que estiveram com ele nas situações mais excêntricas e inacreditáveis de sua trajetória. O filme rende ótimas gargalhadas… principalmente para quem vê Peréio de fora, e não teve de trabalhar com ele. “As pessoas realmente o detestavam”, afirma Allan Sieber.

O próprio biografado afirma, no filme, que aprontou todas porque não sabia que iria viver tanto.

Quem são os diretores Tasso Dourado e Allan Sieber.

Tasso Dourado é baiano de Jequié. Trabalha como editor audiovisual há 15 anos e está assinando seu primeiro longa-metragem como Diretor. Formado em montagem pela Escola de Cinema Darcy Ribeiro editou longas como o doc “Um tiro no escuro” de Paulo Ferreira e a ficção “Marcos” de Filipe Codeço. Colaborou também em muitas publicidades e programas de TV, principalmente para a Globosat.

O gaúcho Allan Sieber é artista plástico, cartunista e roteirista. Reside no Rio, onde mantém a galeria Hostil Carioca. Na TV e Cinema realizou inúmeros trabalhos, entre eles: “O irmão do Jorel”, série em animação, 4° temporada, 2019, roteiro do episódio “In English, please”; roteiro para os programas de humor da TV Globo Tomara que Caia, Tá no Ar, Amor e Sexo além de roteiros, animações e concepção gráfica para o Casseta  & Planeta. Roteiro do piloto de “Vida de Estagiário”, série de TV baseada na tira homônima publicada na Folha de S. Paulo, além de roteiro e direção de vários curtas e animações. Allan tem já fez várias colaborações como cartunista e tem quase 20 livros publicados.

 

 “NELSON PEREIRA DOS SANTOS – VIDA DE CINEMA”

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Um dos mais importantes cineastas brasileiros de todos os tempos – ainda que não tão midiaticamente badalado quanto outros, talvez menos importantes – Nelson Pereira dos Santos ganha finalmente um registro documental de sua obra em formato de longa metragem.

Após sua estreia em Cannes e sua primeira exibição nacional no Festival do Rio, “Nelson Pereira dos Santos – Vida de Cinema” chega à Mostra de São Paulo, cidade onde nasceu.

Dirigido por Aída Marques e Ivelise Ferreira, “Nelson Pereira dos Santos – Vida de Cinema” cobre seis décadas de cinema brasileiro, e tem seu ponto de partida no clássico e icônico “Rio 40 Graus”.  Estreia cinematográfica de Nelson, o filme dá o pontapé inicial no movimento Cinema Novo, que mudaria para sempre os caminhos da nossa história nas telas.

Equilibrando-se entre as profissões de cineasta e de jornalista no Jornal no Brasil, Nelson construiria a partir de Rio 40 Graus uma das mais sólidas carreiras do nosso cinema, realizando, Mandacaru Vermelho, Boca de Ouro, Vidas Secas, El Justicero, Azyllo Muito Louco, Como Era Gostoso o Meu Francês, O Amuleto de Ogum, Tenda dos Milagres, entre vários outros.

O documentário é alinhavado basicamente a partir de várias entrevistas e depoimentos concedidos por Nelson, em diversas fases de sua vida, preciosas cenas de bastidores, além de trechos de sua obra, alguns deles magnificamente restaurados.

“Nelson Pereira dos Santos – Vida de Cinema” deixa no público um gostinho de “quero mais”, principalmente em sua segunda metade, que passa a sensação de ter sido concluída com alguma pressa.

 

Quem são as diretoras Aída Marques e Ivelise Ferreira

Doutora em cinema pela ECA-USP, Aída Marques é cineasta e produtora com mais de 30 anos de experiência. Entre seus trabalhos mais destacados estão: “Expedito” (2006), vencedor do prestigiado prêmio da CNBB, Melhor Filme no Festival Internacional de Cinema Etnográfico, e apresentado na Mostra Internacional de Cinema do Rio, na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo Festival de Cinema Autres Brésils (França); “Abdias Nascimento” (2011), exibido no Festival Internacional de Cinema do Rio e no Cinesul; e “Trágicas” (2019), estreado no Festival de Cinema de Tiradentes e premiado no Festival de Cinema El Ojo Cojo (Espanha).

Aída foi a idealizadora de uma série de exposições sobre cinema no Rio de Janeiro, trazendo ao Brasil a Expo(r) Godard, sobre o lendário cineasta e Vistas Lumière, sobre os pioneiros Irmãos Lumière, e a oficina de crítica de cinema Questão de Crítica. É professora emérita de Cinema e Audiovisual, curso fundado por Nelson Pereira dos Santos na Universidade Federal Fluminense, UFF.

Recentemente, Aída Marques dirigiu o documentário Agudas: Os Brasileiros de Benin (2023).

Ivelise Ferreira é formada em licenciatura em artes cênicas pela Universidade de Brasília, UnB (1982) e administração e marketing pela Escola Superior de Propaganda e Marketing ESPM/RJ (2003). Iniciou sua carreira em cinema no Centro de Produção Cultural e Educativa, CPCE – UnB (1988) produzindo documentários sobre produção de alimentos por associações de agricultores no entorno de Brasília, populações quilombolas e impactos da universidade de Brasília na formação da cidade.

Em 1991 trabalha como assessora do cineasta Nelson Pereira dos Santos na criação do Polo de Cinema e Vídeo de Brasília. A partir desse trabalho torna-se assistente de direção e de produção do diretor nos filmes: A Terceira Margem do Rio, (1993) O Cinema de Lágrimas da América Latina, (1995) Casa Grande & Senzala, (2000) Raízes do Brasil, (2002) Brasília 18%, (2005) A Luz do Tom, (2012) e A Música Segundo Tom Jobim, (2011).

 

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“ROBERTO FARIAS – MEMÓRIAS DE UM CINEASTA”

 E por último, mas nunca menos importante, o documentário

“Roberto Farias – Memórias de um Cineasta” é um dos destaques desta Mostra paulistana que ajuda a contar um pouco da história do nosso cinema.

 Dirigido e roteirizado por Marise Farias, filha de Roberto, o longa retrata a vida e obra do diretor de cinema e televisão, que conquistou um diálogo direto com o público através de grandes obras como “O Assalto ao Trem Pagador” (1962), a trilogia com o cantor Roberto Carlos (1968 a 1971) e “Pra Frente Brasil” (1982).

Além de cineasta dos mais expressivos e importantes, Roberto Farias também atuou na política do cinema brasileiro, sendo presidente da Embrafilme entre 1974 e 1978. O cargo lhe rendeu elogios e críticas: se por um lado aproximou um grupo de cineastas brasileiros às esferas do poder, fomentando nosso cinema, por outro lhe rendeu momentos constrangedores, como sentar-se à mesa ao lado dos fascistas que comandavam o país, na época.

A diretora Marise Farias opta por um olhar intimista se em primeira pessoa sobre o pai/biografado: “Eu tinha a preocupação de fazer um filme à altura da obra e da história dele. Eu precisava fazer um filme minimamente digno, e isso nós conseguimos. O projeto surgiu primeiramente do meu afeto – sabia que queria fazer alguma coisa pela memória dele. Eu tenho uma bagagem de documentários sobre personalidades do cinema brasileiro, e isso me deu um certo conforto”, afirmou Marise.

A programação completa da 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo está em https://47.mostra.org/

Texto publicado em www.planetatela.com.br