“CÍCERO DIAS, O COMPADRE DE PICASSO”, MUITO MAIS QUE UM DOCUMENTÁRIO SOBRE UM ARTISTA.

Por Celso Sabadin.

Que assassina de talentos que é a política brasileira! Vejamos, por exemplo, o caso do artista plástico pernambucano Cícero Dias, retratado no belíssimo documentário “Cícero Dias, o Compadre de Picasso”, que chega agora aos cinemas. Obrigado a fugir do país em 1937, na época da ditadura do Estado Novo, Cícero reconstrói sua carreira em Paris, convive com o que há de mais atual no cenário artístico mundial, resiste à ocupação nazista na França, é preso, consegue fugir para Portugal e, finda a Guerra, retorna à Recife para uma exposição. O ano é 1948, portanto já sob as luzes da nossa democracia pós- primeira fase getulista.   Neste retorno à cidade natal, o artista esperava encontrar um país em paz, mas se depara coma elite em pé de guerra: ele é execrado pela mídia conservadora, chamado de “borrabotas”, e colocado sob um terrível constrangimento. Motivo: ousou expor suas novas obras, agora abstratas e modernistas. Logo ele, nascido nas camadas mais altas da elite recifense, e tornado comunista por seu senso de justiça e observação de seus iguais. Mesmo terminada a ditadura política, permaneceram vivas e ativas as patrulhas reacionárias.

Cícero se viu obrigado a abandonar o próprio país em função do Estado Novo, conseguiu sobreviver ao Nazismo em plena Europa bombardeada, mas não ficou imune diante do poder mais imbatível desta nossa cultura nacional: o poder da ignorância conservadora.

Assim como Cícero é apenas uma entre tantas histórias de talentos brasileiros sufocados por uma mentalidade tacanha e uma política mesquinha, esta é também apenas uma das empolgantes histórias contadas no documentário dirigido por Vladimir Carvalho, um dos maiores documentaristas brasileiros.

Em 2005, numa viagem a Paris realizada dentro das celebrações do ano Brasil/França, Vladimir soube da restrospectiva do pintor,  que acontecia na capital francesa e, com uma câmera emprestada, filmou a exposição. Em contato com a viúva e a filha de Cícero Dias, teve acesso ao material de arquivo e ao atelier do pintor e alí decidiu realizar o documentário. De volta ao Brasil, Vladimir priorizou outros projetos, lançou dois longas, e só retornou ao documentário sobre Cícero em 2014, realizando filmagens em Paris, Pernambuco , Curitiba e Rio de Janeiro.

O resultado é muito, mas muito mais que “um documentário sobre um importante pintor bnrasileiro”. Como não podia deixar de ser num filme realizado por Vladimir, “Cícero Dias, o Compadre de Picasso” é uma empolgante viagem pelo mundo das artes plásticas, do comportamento social brasileiro e da política mundial de boa parte do século 20.

O filme estreou nesta quinta, 3 de novembro.