“A ACUSAÇÃO” BUSCA O EQUILÍBRIO EM MEIO AO CAOS.

Por Celso Sabadin.

A tessitura humano-social sobre a qual se apoia “A Acusação” talvez seja mais intrigante que a própria trama. Vejamos: Jean (Pierre Arditi) é um veterano apresentador de um tradicional programa de televisão de muito sucesso, pressionado pela direção da emissora, que está em busca de novidades. Sua ex-esposa, Claire (Charlotte Gainsbourg), ativista de direitos humanos, tem uma relação estável com o professor Adam (Mathieu Kassovitz) que, por sua vez, não consegue manter um relacionamento amigável com a ex-esposa Valérie (Audrey Dana). Jean e Claire têm um filho, Alex (Ben Attal), que estuda nos Estados Unidos. Adam e Valèrie têm uma filha adolescente, Mila (Suzanne Jouannet), que mora com o pai.

Tudo caminha naquele famoso registro chique-intelectual-parisiense que quase sempre vemos nos filmes franceses, no qual as casas são repletas de livros, alguém toca piano, e todos os protagonistas têm profissões interessantes. Até o momento em que Alex conhece Mila. Surge de maneira explosiva e inacreditável a acusação de um crime, à qual se refere o título internacional do filme, e os dois núcleos familiares – até então razoavelmente equilibrados – entram em colapso. Vidas são devassadas.

“A Acusação” (no original francês, “Les Choses Humaines”, as coisas humanas) desenvolve-se então em duas partes bem definidas: o intenso drama familiar, mesclado a elementos de suspense/mistério em relação ao ocorrido; e o chamado “filme de tribunal”, menos atrativo que a primeira parte.

Em ambos os momentos, são vigorosos, pertinentes e desafiadores os questionamentos propostos pelo roteiro de Yaël Langmann e do próprio diretor, Yvan Attal, a partir do livro de Karine Tuil, publicado em 2019. Fala-se machismo estrutural, preconceitos sociais, jogos de poder, intolerâncias e intransigências nesta contemporaneidade que se percebe sem rumo diante de tantas e tão rápidas mudanças comportamentais.

Talvez receoso em tomar partido (ou apenas fiel ao texto original do livro, que desconheço), a direção de Attal opta pela contemporização dos ânimos, sempre à procura de algum tipo de equilíbrio que talvez seja incompatível com a gravidade da premissa apresentadas.

Inevitável especular como seria o mesmo livro adaptado para o cinema por uma cineasta mulher.

Indicado ao César de roteiro adaptado, “A Acusação” estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta, 27 de outubro.