A AMORALIDADE DO CAPITALISMO DEVASSADA EM “BEM-VINDO A NOVA YORK” .

Em maio de 2001, o diretor do Fundo Monetário Internacional Dominique Gaston André Strauss-Kahn foi acusado de abusar sexualmente de uma camareira de hotel. O caso, como não poderia deixar de ser, ganhou a mídia internacional. E, também como não poderia deixar de ser, virou filme: “Bem-Vindo a Nova York”. Porém, como o filme em questão é corroteirizado e dirigido pelo sempre polêmico Abel Ferrara (o mesmo de “Vício Frenético” e “O Rei de Nova York”), ele – felizmente – passa longe dos clichês típicos que este tipo de história geralmente proporciona ao cinemão tradicional.

Ferrara prefere usar o caso para investigar a incômoda realidade de um homem amoral. Não “imoral”, mas apenas sem nenhum tipo de moral. Um personagem (otimamente vivido por Gérard Depardieu) que simplesmente, em algum momento de sua vida, abandonou todos os seus sonhos e ideais para se tornar uma pessoa totalmente impermeável a qualquer tipo de julgamento moral. Um animal à mercê de seus próprios instintos, no caso, sexuais.
Por isso, não por acaso, Ferrara carrega a mão nas cenas iniciais de sexo. Não em relação à sua explicitude, mas principalmente no tempo. A primeira parte de “Bem-Vindo a Nova York” pode, inclusive, incomodar as plateias não acostumadas à obra do diretor, mas logo se percebe que não há gratuidade neste exagero: o ato sexual aqui se apresenta, sob os olhos do protagonista, como um jogo inconsequente da pura, simples e direta busca pelo prazer total e imediato. Sem juízo de valor.

O filme ganha em conteúdo quando o protagonista atribui a perda de suas ideologias e a consequente selvageria à qual se entrega ao simples fato de ter se tornado um grande executivo do setor financeiro, onde sentiu de perto que a fome e a miséria são grandes negócios lucrativos a serem mantidos pelos líderes mundiais. Um trauma que lhe levou a assumir sua condição meramente animal, sem problema algum de consciência. É o capitalismo como a base do horror.

Numa segunda camada de leitura, vemos o impressionante embate entre Deveraux e sua esposa (Jacqueline Bisset) que, ao contrário do que poderia se supor, não condena o marido pela traição sexual em si, mas sim pelo “erro” muito maior e muito mais imperdoável de ter destruído suas chances de chegar à Presidência da França, cargo que ela queria mais que ele. Deveraux acusa que a desmedida ambição da esposa vem do berço, sugerindo que a fortuna do pai dela fora construída através de atividades ilícitas durante a 2ª Guerra, desfiando assim um quebra-cabeças sem fim de opressões exercidas pelos eternamente poderosos. Como que mostrando que nada mudará.

A cena final, inclusive, entre Deveraux e a nova empregada também sinaliza que é eterno o ciclo da opressão do poder.

Intenso e cruel.