A BELA FICÇÃO EXISTENCIAL DE “A CHEGADA”.

Por Celso Sabadin.

Há filmes em que, por mais que a língua portuguesa dê ferramentas, o crítico sofre para desenvolver um texto sem spoilers. “A Chegada” é um destes textos. O roteiro que o especialista em filmes de terror Eric Heisseler fez a partir do conto “A Story of Your Life”, do escritor sino-americano Ted Chiang , é tão bem amarrado e estruturado que fica difícil falar algo da trama sem estragar as surpresas do espectador. Melhor, então, falar pouco, e dizer apenas  que uma professora especializada em línguas (Amy Adams) é convocada pelas mais altas esferas da segurança norte-americana para tentar decifrar o idioma que visitantes alienígenas estão falando.

É a partir desta premissa tão fantástica quanto fascinante que “A Chegada” desenvolve uma empolgante história sobre as gigantescas limitações das nossas percepções tanto de espaço, como de tempo, como de outras culturas.  Presos a conceitos que nem ousamos questionar – quanto mais, desafiar – olhamos incessantemente apenas para nossos umbigos e nossos quintais, sem nos dar conta das inestimáveis riquezas que estão além das cercas instransponíveis que nós mesmos instalamos ao delimitar a extensão da nossa ignorância. Ao propor a língua, o idioma, não apenas como uma forma de comunicação, mas como um fundamento da própria maneira de viver de cada um – ou de cada povo –  “A Chegada”  extrapola a ficção científica mediana, quebra o padrão hollywoodiano de Bem versus Mal, de Invasores versus Terráqueos, e apresenta uma nova maneira de ver o tempo, uma nova forma de sentir um filme.

O diretor Dennis Villeneuve não é norte-americano. Canadense de Quebec, seu idioma pátrio não escreve “Eu” sempre com letra maiúscula. Talvez por isso ele tenha compreendido com muita sensibilidade as mensagens desta história que relaciona o idioma com a cultura, a forma de falar com a forma de ser e de viver. Diretor também dos elogiados e premiados “Incêndios” e “Sicário”, Villeneuve já tem outra ficção científica em produção, e esta promete muita polêmica: “Blade Runner 2049”, continuação – ou releitura – do clássico de 1982. É esperar para ver… isso se o tempo for linear.

“A Chegada” estreia nesta quinta, 24 de novembro.