“A CAMAREIRA” SOMOS TODOS NÓS.

Por Celso Sabadin.
 
Por motivos óbvios, muitas vezes por dia me vem à cabeça aquela música dos Paralamas: “Eu acordo pra trabalhar, eu vivo pra trabalhar, estou cansado demais”. Se a canção me representa (aliás, não só a mim, mas como a todos nós escravizados pelo capitalismo), estreia nesta quinta (14/11) um belíssimo filme que dialoga muito proximamente com a citada música: “A Camareira”.
 
Escolhido pelo México para representar o país no Oscar, “A Camareira” não cede à tentação fácil de mostrar o excesso de trabalho das classes menos favorecidas através da correria e do estresse urbano. Pelo contrário. O longa se desenvolve em ritmo de drama intimista, mostrando o cotidiano de Eve (Gabriela Cartol, ótima), camareira de um hotel de luxo na capital mexicana. Um enorme estabelecimento de 42 andares, repleto de hóspedes e funcionários, onde imperam a impessoalidade e a solidão. O número de vidas que circulam por ali é inversamente proporcional ao afeto entre elas.
 
Apenas mais uma vítima da invisibilidade das classes baixas, Eve desenvolve seu trabalho com muda dedicação. Fala com seu filho pequeno apenas por telefone, sonha em um dia ganhar o vestido vermelho esquecido na seção de Achados e Perdidos, caminha quilômetros nos longos corredores do hotel, e aspira – literalmente – subir na vida e ser promovida para trabalhar nos andares superiores, onde ficam os apartamentos de luxo. A ascensão social depende do elevador. Sua presença só é notada caso alguém necessite dela, ou caso ela “invada” alguma área de acesso exclusivo aos hóspedes. Caso contrário, Eve é quase um fantasma neste castelo assombrado e sem alma.
 
A inspirada direção de Lila Avilés (mais conhecida no México como atriz, aqui estreando na direção de longas) criou para o filme um universo claustrofóbico que potencializa o sufoco da protagonista. A câmera jamais sairá dos limites do lugar de trabalho de Eve. A cidade só é vista através de janelas de grossos vidros que deixam do lado de fora tudo o que possa ser relacionado à vida urbana. E humana. O silêncio é sepulcral. Quando Eve busca uma rara pausa neste verdadeiro aquário humano e vai tomar um pouco de ar numa varanda aberta, ela é imediatamente repreendida por sua supervisora. Respirar só é permitido aos hóspedes.
Toda a paleta de cores do filme é composta por tons acinzentados e pastéis, à exceção do tal vestido vermelho, objeto do desejo de Eve. Mais que um vestido, ela anseia por brilho e cor.
 
A gênese do filme veio do trabalho da artista plástica e fotógrafa francesa Sohpie Calle, que registrou em fotos o período em que trabalhou como camareira num hotel italiano. O ensaio fotográfico inspirou o roteiro escrito pela própria diretora em parceria com o estreante Juan Márquez. E todo o trabalho vem sendo merecidamente recompensado: “A Camareira” já recebeu 9 premiações internacionais e 21 indicações.