A CAUSA ARMÊNIA REVISITADA EM “UMA HISTÓRIA DE LOUCURA”.

Por Celso Sabadin.

Havia no colégio onde eu estudava um colega de origem armênia, o Carlos,  que sempre se empenhava em, digamos, “denunciar” o genocídio dos turcos contra seus antepassados, durante a I Guerra. Ele falava do assunto com muito entusiasmo e uma enorme indignação, não apenas pela barbárie em si, como principalmente pelo fato do mundo não saber – ou não querer saber – das matanças acontecidas naquele distante início de século 20.  Na época, eu era apenas um adolescente típico dos anos 70, de cabelos compridos e calças boca de sino, que mal tinha conhecimento da própria ditadura contemporânea do meu país. Quanto mais de algo acontecido na distante Armênia, mais de meio século atrás.

Foi inevitável lembrar de Carlos – e muito – ao assistir “Uma História de Loucura”.  Foi vendo o filme que consegui perceber mais de perto toda a indignação do antigo colega, com o qual perdi o contato há muito tempo, mas cujas histórias insistentemente contadas a caminho do colégio de certa forma permaneceram dentro de mim. O filme é justamente sobre isso: a perplexidade de uma nova geração de armênios que não se conforma em ver esquecido o sofrimento de seus antepassados, e que exige reparações a qualquer custo, mesmo que seja com mais violência.

O ponto de partida de “Uma História de Loucura” foi o livro “La bomba, un no rotundo a la destrucción y a la muerte y un viva a la vida”, publicado em 1982 pelo jornalista espanhol José Antonio Gurriarán, que começou a se interessar pela causa armênia após ser vitimado por um ataque terrorista em Madri. O roteiro, desenvolvido a quatro mãos pelo próprio diretor Robert Guédiguian, em parceria com Gilles Tauran, ambienta a trama no seio de uma família armênia que reside em Marselha, no final dos anos 70. O filho mais velho, Aram (Syrus Shahidi), não se conforma com a passividade do pai, Hovannés (Simon Abkarian, de “O Julgamento de Viviane Amsalem”), mais preocupado em administrar sua pequena mercearia que em honrar a memória dos armênios vitimados em 1915. Incentivado pela avó (Siro Fazlian), Aram se engaja na luta armada que visa o reconhecimento mundial do genocídio, levando sua mãe Anouch (a ótima Ariane Ascaride, de “O Fio de Arianne”) à tristeza e ao desespero.

“Uma História de Loucura” inicia assim seu discurso cinematográfico antiviolência que, longe de ser conformista, se engaja na questão armênia (origem, inclusive do diretor Guédiguian, que já havia abordado o assunto  em “Viagem a Armênia”) sem perder o senso crítico e validando o pensamento pacifista do autor do livro que originou o filme. Trata-se de uma obra de narrativa clássica e tradicional, opção bem-vinda para uma história na qual o que se mostra já é suficientemente forte e perturbador para dispensar eventuais digressões estéticas.

Coincidentemente ou não, “Uma História de Loucura” foi lançado no Brasil no dia 21 de abril, três dias antes da data em que os armênios relembram o genocídio.