“A CHORONA”, ÓTIMA COPRODUÇÃO (MUITO) EUROPÉIA E (POUCO) LATINA. 

Por Celso Sabadin.

Antes de mais nada, vale uma observação: esta produção franco- guatemalteca “A Chorona”, que estreou no último dia 23 de setembro nos cinemas brasileiros, praticamente nada tem a ver com “A Maldição da Chorona”, produção norte-americana que chegou aos nossos cinemas em 2019. Ambos são de terror, mas o medo e o pânico provocado por “A Chorona” são majoritariamente de caráter político e social, com uma leve pegada sobrenatural, enquanto o norte-americano apenas se apropria de uma lenda similar para produzir mais um terror rotineiro comercial.

Este “A Chorona”, digamos, original, parte do genocídio real acontecido na Guatemala, nos anos 1980, em que o governo militar da época ordenou a matança de milhares de índios para lhes tomar as terras. Décadas depois, um dos principais generais responsáveis pelo massacre é julgado e condenado por seus crimes, mas o julgamento é rapidamente anulado por setores do poder ditatorial que ainda controla as principais decisões judiciais.

Revoltada, a população indígena cerca a casa do genocida, que se vê – junto com a família – isolado em uma interminável vigília dos povos originários em busca de justiça. Não serão somente os cantos e palavras de ordem dos manifestantes que atormentarão este infame núcleo familiar dominante, levando a todos às raias do desespero. Outras manifestações, menos concretas, comporão este cenário de horror.

O filme tem uma baciada de indicações e premiações internacionais.

Com roteiro do próprio diretor – Jayro Bustamante – em parceria com Lisandro Sanchez, “A Chorona” fala bem mais de perto a nós – latino-americanos em geral e brasileiros em particular – que já presenciamos e continuamos a presenciar atos genocidas de governos ditatoriais, que qualquer filme-clichê sobre casas assombradas em locais isolados. Aqui, o medo é amplificado porque é real. Nosso pânico não termina nos créditos finais.

Atendo-se, contudo, somente aos aspectos cinematográficos do longa, percebe-se claramente um esmerado nível de produção, onde tudo é caprichado. Esteticamente, é nítido que estamos vendo um filme bastante francês e quase nada guatemalteco (ou latino-americano). As luzes, os enquadramentos, os tempos, os silêncios, a técnica, a narrativa, as cores (ou a falta delas), as interpretações, tudo nos remete ao melhor dos festivais europeus, e nada – a não ser a apropriação cultural do tema e da lenda – à maneira latino-americana de se fazer cinema. Não se nota latinidade numa história que se pretende latina.

Isso seria um problema ou um defeito? Sem entrar a fundo em juízos de valores, talvez. Mas não deixa de ser lamentável a forma como a grande maioria da produção cinematográfica atual que chega até nós tem se polarizado em duas – e somente duas – forças dominantes: a mesmice estadunidense de filmes matematicamente construídos para serem rapidamente consumidos pela maior parte possível da população; e a mesmice europeia de filmes matematicamente construídos para serem rapidamente premiados pela maior quantidade possível de festivais. E – se tudo der certo – serem indicados ao Oscar representando o seu país, fechando assim as duas pontas de um círculo vicioso que procura muito mais o lucro que o cinema.

Quem nos salvará desta pasteurização mundial da linguagem cinematográfica? Os geniais cineastas sul coreanos? O gigantesco mercado chinês prestes a acordar? A Ásia? Talvez ninguém.