A DESOLAÇÃO ESPERANÇOSA DE “A MESMA PARTE DE UM HOMEM”.

Por Celso Sabadin.

Sangue novo no cinema brasileiro: estreando na direção de longas, Ana Johann mostra talento de veterana no drama “A Mesma Parte de um Homem”, em cartaz nos cinemas desde o último dia 7 de abril.

A partir de uma eficiente criação de um tenso clima de desolação e abandono, o roteiro de Alana Rodrigues (também estreante em longas) e da própria diretora constrói a relação de uma pequena família disfuncional isolada em algum canto deste imenso Brasil interiorano.

A mãe, Renata (Clarissa Kiste); o pai, Miguel (Otávio Linhares); e a filha adolescente, Luana (Laís Cristina),convivem sob um teto de tensões. Nada explícito, mas olhares duros, gestos e rostos hostis sugerem que os conflitos deste micro núcleo familiar extrapolam as dificuldades normais de vida e sustento do pequeno produtor rural.

Até o momento em que – quase simultaneamente – uma tragédia e o surgimento de um homem misterioso (Irandhir Santos) traçam novos rumos para os protagonistas.

“A Mesma Parte de um Homem” é cinema de detalhes. Sutil, silencioso, denso. As imagens em cores esmaecidas e os sussurros quase secretos exponenciam o poder de uma dramaturgia forte de sentimentos presos nas gargantas de seus protagonistas.  Impossível tirar os olhos da tela.

Em meio ao mudo desconsolo, acena-se, porém, com uma breve possibilidade de alívio. Certamente falso, provavelmente fugaz, mas um alívio. Um breve raio de luz, de riso e de dança que prova que outro cenário é possível, ainda que ocasional, passageiro e fundamentado na impossibilidade da mentira.

Ana Johan afirma que a história e as personagens têm relação com sua própria experiência de ter vivido até os 14 anos em uma vila rural paranaense. Com esse olhar, a presença feminina se consolida tanto na narrativa como na equipe de produção, formada em sua maior parte por mulheres. “O filme também fala de papéis construídos pela sociedade do que é ser homem, do que é ser mulher e eu enquanto roteirista posso sacudi-los”, complementa a diretora.

Um ótimo momento do cinema brasileiro que, como a família do filme, resiste à barbárie.