“A DUQUESA”: LADY DI DO SÉCULO 18?

Talvez as próximas gerações cheguem à conclusão que Keira Knightley foi uma atriz de cinema que viveu entre os séculos 16 e 18 (como se existisse cinema naquele tempo), tamanha é quantidade de filmes de época protagonizados por ela. “Orgulho e Preconceito”, “Desejo e Reparação”, “Piratas do Caribe” e “Rei Arthur” são alguns exemplos que se juntam agora ao drama “A Duquesa”, ambientado na Inglaterra do século 18.
É nesta época machista e conservadora que a bela e ingênua Georgiana (Keira) aceita a proposta de casamento do bilionário Duque de Devonshire (Ralph Fiennes, de “O Jardineiro Fiel”), sem sequer conhecê-lo muito bem. Afinal, trata-se do homem mais poderoso da Inglaterra, e até a mãe da moça (Charlotte Rampling) empurra sua filha para o “partidão”. O Duque, por sua vez, não é nenhum primor de requinte, mas é perfeitamente claro em suas convicções: o casamento só lhe interessa para gerar um herdeiro masculino para sua riqueza. Lembra aquela velha música de Cleyton e Cledir: “Fico com esta guria; só quero mesmo pra tirar cria”.

Não é preciso ser gênio do cinema para perceber qual será a linha mestra do roteiro: casamento infeliz, hipocrisia da sociedade, manutenção de aparências a qualquer custo, amantes, traições, desilusões, etc. Porém, tudo com a direção precisa do inglês Saul Dibb, neste que é apenas o seu segundo filme para cinema. O primeiro foi “Bullet Boy”, inédito por aqui.
Dibb opta por uma direção sóbria, e conta sua história de forma clássica e tradicional, tão clássica e tão tradicional quantos os costumes que ele relata em seu filme. Fotografia esplêndida explorando os tons quentes das luzes de velas, locações exuberantes pela Inglaterra, figurino luxuoso e – aleluia! – momentos silenciosos e calmos para provocar a reflexão do espectador. Sim, é um filme europeu tradicional, co-produzido por Inglaterra, França e Itália. Os ouvidos agradecem.

Em determinados momentos, Dibb se deixa apanhar por algumas armadilhas cinematográficas fáceis e um pouco gastas, como enquadrar a protagonista refletida ao lado de um espelho, para ressaltar que a personagem está dividida, ou pontuar uma fala bombástica com o som de um trovão que fará a ligação com a próxima cena. Mas nada que empane o brilho das boas idéias contidas no roteiro adaptado do livro de Amanda Foreman, baseado em fatos reais.

O sofrimento, por exemplo, base de boa parte da história, é cem por cento causado pela ignorância e pela intolerância humanas. Diferente de outros filmes do gênero, não há uma única doença, uma única guerra, um único tiro ou acidente que contribua para tanta tristeza e humilhação. Tudo é fruto direto da prepotência do Homem. Georgiana é uma personagem adiante do seu tempo, inteligente demais, simpática demais, perspicaz demais e até política demais para viver sua plenitude em meio a tantas normas e tradições machistas.
Ao mesmo tempo, percebe-se no ar a chegada de novos tempos, de uma provável revolta que mudaria tudo, mesmo porque a ação é ambientada 15 anos antes da Revolução Francesa. Uma mudança tão grande no comportamento social que forjaria os padrões para um homem mais livre, uma mulher mais livre. Para Georgiana, porém, a tal revolução não chega. Teria chegado para alguém? Afinal, como diz o próprio Duque à sua esposa, “você sonha com um mundo que nunca existiu, nem nunca existirá”.

Curiosidade: a Duquesa do título é parente direto de Lady Di, o que foi um prato cheio para os marqueteiros ingleses que divulgaram o lançamento do filme na Europa e EUA.