A ESTRANHEZA PROVOCATIVA DE “INTRODUÇÃO À MÚSICA DO SANGUE”.  

Por Celso Sabadin.

Assisti ao filme “Introdução à Música do Sangue”, que chega agora ao circuito comercial, no Festival de Gramado. Pode-se dizer muita coisa sobre ele. Menos que passou batido. Dirigido por Luiz Carlos Lacerda (o mesmo de “For All – O Trampolim da Vitória”, premiado neste mesmo festival em 1997), o longa causou reações de estranheza entre os presentes. Não sem motivos.

Tudo acontece numa pequena propriedade rural, no interior de Minas Gerais, no seio de um minúsculo núcleo familiar formado por pai (Ney Latorraca), mãe (Bete Mendes) e filha (Greta Antoine). Só que não. Será justamente esta suposta tradicionalidade familiar mergulhada numa ambientação arcaica de quem ainda espera a chegada da luz elétrica que Lacerda buscará desmontar em seu filme. E o estopim desta desconstrução será a chegada no lugar do funcionário de uma fazenda vizinha (Armando Babaioff), que passa por ali à caça de uma jaguatirica. Sua presa será outra.

Lacerda não se furta na tentativa de provocar seu público, tanto espaço como temporalmente. Estende no limite do desconforto os tempos de determinadas cenas (principalmente as interpretadas pela bela Greta Antoine), e lança mão da licença poética ao recusar uma ambientação de época que num primeiro momento o roteiro propõe.

Roteiro, aliás, baseado num argumento inacabado do escritor Lúcio Cardoso, e livremente completado pelo próprio Lacerda. Esta não é a primeira vez que o cineasta termina uma obra iniciada por Cardoso. Há dois anos, Lacerda finalizou, em formato documental, “A Mulher de Longe”, filme que Cardoso iniciara como ficção, em 1949, e nunca terminara. Em 28 anos de carreira literária, Lúcio Cardoso publicou 15 romances e novelas, peças de teatro, poesias, crônicas, ensaios e traduções. Em 62, vitimado por um derrame, trocou a literatura pela pintura, vindo a falecer seis anos depois. Um de seus textos mais conhecidos originou o filme “Porto das Caixas”, de Paulo Cezar Saraceni, a quem Lacerda dedica este “Introdução à Música do Sangue”. E assim o ciclo se fecha.

A esteia foi na quinta, 28/06.