“A FRATURA” SOCIAL QUE FERE (TAMBÉM) A FRANÇA.

Por Celso Sabadin.

Não é sempre que a gente vê um título de filme tão pertinente: “A Fratura”. Claro que a maior parte do longa se passa num hospital, e um dos protagonistas tem seu braço quebrado, mas as reais e profundas fraturas do filme são as sociais.

O ótimo roteiro é totalmente escrito por mulheres: Agnès Feuvre (de “Madrugada em Paris”), Laurette Polmanss (de “Um Amor Impossível”) e a própria diretora, Catherine Corsini (também diretora de “Um Amor Impossível” e “Um Belo Verão”). Tudo começa mostrando duas situações paralelas se desenvolvendo em Paris. A primeira é o conturbado término da relação entre Julie (Marina Foïs) e Raphaelle (um show de Valeria Bruni Tedeschi, que rouba a cena). A segunda envolve Yann (Pio Marmaï), um caminhoneiro que abandona momentaneamente seu serviço para participar dos protestos dos “coletes amarelos”, manifestantes que desde 2018 se posicionam vigorosamente contra o governo do presidente francês, Emmanuel Macron.

Por motivos diferentes, Raphaelle e Yann vão parar num pronto socorro parisiense, enquanto a cidade ferve com as manifestações. Novos personagens importantes vão paulatinamente se incorporando à trama. Também paralelamente, explodem dois conflitos: do lado de fora, manifestantes e policiais vivem um verdadeiro clima de guerra. Dentro, o hospital se transforma rapidamente no microcosmo da situação sócio-político-econômica da França. O caos se instala com a falta de profissionais de saúde, com a truculência policial interferindo nos serviços médicos, com a revolta dos pacientes e com as históricas diferenças sociais entre elites, burguesias e classe operária.

Um dos maiores méritos do filme é abordar todas estas “fraturas” sem panfletarismo, utilizando-se de ótimos diálogos que destilam grandes doses de ironia, a ponto de ser considerado uma “comédia” em seu material promocional. Não é. Sim, há humor – e de boa qualidade – mas aquele humor que provoca o rico nervoso, que busca na indignação quase surreal das desastradas ações políticas a provocação da tão necessária visão crítica que tais momentos exigem.

Selecionado para a mostra competitiva de Cannes, “A Fratura” foi indicada para seis César, ganhando o de atriz coadjuvante para Aïssatou Diallo Sagna, que se destaca no papel da enfermeira Kim.

Um dos grandes filmes destes primeiros meses do ano.