“A GAROTA DA PULSEIRA”, A DOR DO SILÊNCIO.

Por Celso Sabadin.

Há filmes que impressionam pelas histórias que contam. “A Garota da Pulseira” é um filme que impressiona – e muito – pelas histórias que não conta. O que atrai, hipnotiza e trava a respiração do espectador é exatamente o não mostrado, as suas dúvidas e os seus silêncios.

A cena de abertura – totalmente sem diálogos audíveis, e repleta de dramaturgia – já dá uma amostra do estilo de direção que teremos a seguir: uma família se diverte sossegadamente em uma pequena praia. Câmera distante, respeitosa, quase escondida. Plano único. Aproximam-se dois policiais, há um pouco de conversa, e de imediato uma garota é tirada do seio familiar e levada pela polícia. Calmamente. Ela interrompe sua caminhada para vestir uma blusa, sob os olhares absolutamente sem pressa dos agentes da lei.

A partir daí, as informações necessárias ao desenvolvimento da trama serão reveladas ao público em seus tempos precisos. E ficaremos sabendo que a tal garota levada pela polícia é a mesma da “pulseira” do título. Ela é Lise (a estreante Melissa Guers, ótima), acusada de um crime brutal. E é melhor não dizer mais nada.

“A Garota da Pulseira” segue na linha de “filme de tribunal”, mas absolutamente na contramão daquele estilo exaltado típico dos filmes estadunidenses que nos acostumamos a ver. Não há advogados gritando “protesto”, nem juízes batendo martelos na mesa, muito menos público fazendo “oooohs” e “aaaaahs”, nem a presença da mídia abutre. Aqui, os temores, suspenses e indignações ficam presos nas gargantas, incrustram-se entre os silêncios, sugerem-se entre tudo o que não é expressado.

No fundo – e isso não é spoiler – sob o julgamento visível oculta-se outro mais profundo e proibido: o arbítrio de uma sociedade que se pretende moralista, mas que não tem a menor sensibilidade de – pelo menos – tentar compreender os abismos geracionais. Uma sociedade fundamentada na incomunicabilidade e que só sabe enxergar os outros sob o seu único e próprio ponto de vista.

“A Garota da Pulseira” tem a brilhante e seguríssima direção de Stéphane Demoustier, neste que é seu terceiro longa, e o primeiro a chegar no circuito brasileiro. O roteiro, do próprio diretor, é baseado no filme argentino “Acusada”, escrito por Ulises Porra e Gonzalo Tobal. No elenco, as ilustres presenças de Roschdy Zem e Chiara Mastroianni.

Em cartaz no Festival Varilux. Consulte a programação em http://variluxcinefrances.com/2020/filmes/a-garota-da-pulseira/