A INACREDITÁVEL POESIA QUE BROTA DA TERRA E DA ÁGUA EM “O SILÊNCIO DA NOITE”.

Por Celso Sabadin.

A poesia já começa pelo título do filme: “O Silêncio da Noite é que tem sido Testemunha das Minhas Amarguras”. E põe poesia nisso! Não exatamente a poesia elaborada e mundialmente difundida dos grandes poetas consagrados pela Humanidade, mas sim aquela que brota diretamente do chão da terra, misto de humildade e encantamento, que nos deixa boquiabertos com tanta sensibilidade, despojamento e espontaneidade.

Finalista entre os dez melhores filmes da 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, “O Silêncio da Noite é que tem sido Testemunha das Minhas Amarguras” alcança o universal ao documentar a vila. O longa foi rodado nas cidades de Ouro Velho e Prata (Paraíba) e São José do Egito (Pernambuco), lugares que revelam uma incrível tradição poética herdada por várias gerações. De acordo com uma lenda local, quem bebe da água do Rio Pajeú, que banha a região, vira poeta. E a câmera do cineasta pernambucano Petrônio Lorena valida a lenda: a métrica, as rimas e a sensibilidade brotam das línguas de seus vários depoentes – homens ou mulheres, de variadas idades – com ritmo e facilidade fora do comum. Por ali, a poesia define o cotidiano das pessoas, marcando presença em festas, residências, mercados, relembrando histórias de cantorias, ou simplesmente num bate papo.

São sonetistas, cantadores e violeiros que fazem da região a maior concentração de métrica e rimas por metro quarado do planeta. É impressionante! Só pode ser a água mesmo.

Não bastasse a riqueza do texto e da sonoridade poética que permeia todo o filme, “O Silêncio da Noite é que tem sido Testemunha das Minhas Amarguras” também prima pelas belas imagens, com a câmera de Petrônio sempre posicionada de uma maneira, à primeira vista, despretensiosamente despojada, mas que ao longo da projeção se revela fortemente eficiente em captar a alma do lugar.

Como afirma o próprio diretor, “O que eu acho mais legítimo do documentarista é sempre voltar àquilo no qual está trabalhando, criar um envolvimento. Eu sempre retornava à região. Esse envolvimento fez com que a poesia, que já estava presente, entrasse mais ainda dentro de mim; não a métrica, não o saber fazer poético, mas o sentimento. Lá tem muitos que dizem: ‘o verdadeiro poeta é o outro’. E o outro é aquele que sente. Então o verdadeiro poeta é o que sente, o que foi transformado”,

Severina Branca, Jorge Filó, João Badalo, Antônio Marinho, Ésio Rafael, Zé Rocha, Greg Marinho, Nõe de Job, Expedito Vaqueiro, Lamartine Passos, Zé de Cazuza, Cícero Bernardes, Job Patriota,Didi Patriota, Antenor Cazuza, Marquinhos da Serrinha, Paulo Barba, Romero Cazuza, Carlinhos da Prata, René Cavalcanti, Giuseppe Mascena, Graça Nascimento, Tonfil, Mariana Teles, Rildo de Deus, Val Patriota e Neném de Santa não são nomes que encontraremos com facilidade em livros ou estudos de antologias literárias, nem neste oráculo contemporâneo chamado Google a quem todos incensa, mas certamente são talentos representativos de toda uma fascinante cultura brasileira que agora – graças à magia do audiovisual – encontraram um lugar ao som e ao sol da documentação poética.

 

O filme estreia em 15 de março.