“A INDÚSTRIA DA IGNORÂNCIA”, MUITO ALÉM DA TIA DO ZAP.
Por Celso Sabadin.
Tentarei ser didático. Cientistas descobriram que determinado composto químico presente em determinado tipo de plástico era altamente cancerígeno. Logo começaram a ser publicados vários estudos científicos dizendo que não, não era. Um outro cientista, então, começou a pesquisar como era possível surgir tantos estudos negando o perigo. E descobriu: foi desenvolvido em laboratório um tipo diferenciado de rato, imune ao tal composto químico, especialmente para que os resultados dessem negativos. Tudo evidentemente pago pela indústria interessada no composto.
Detalhe: todo esse processo descrito no parágrafo anterior demorou cerca de 20 anos. Impossível imaginar o número de mortos vitimados pela fraude.
Este é apenas um dos casos verídicos relatados pelo inédito documentário ‘”A Indústria da Ignorância”, que estreia no canal Curta nesta quinta-feira, 15/05. Produzido na França e dirigido por Pascal Vasselin e Franck Cuveillier, o quase longa (52 minutos) traz imagens de arquivo, pesquisas inéditas, gráficos e depoimentos de especialistas para mostrar que a onda de desinformação que assola o planeta vai muito, muito além de mensagens de fake news trocadas nos grupos de zap das tias.
Trata-se, na verdade, de grandes lobbies articulados por empresas poderosas para distorcer as informações a favor de seus interesses econômicos. Custe o que custar.
Uma das estratégias desenvolvidas pelos negacionistas é confundir a população o máximo possível pagando pelo desenvolvimento – e pela publicação, claro – de estudos que agem como “cortinas de fumaça”. Exemplo: quando se descobriu o agente toxicológico que estava extinguindo as abelhas, anos atrás, a mídia foi tomada por uma enxurrada de matérias e pesquisas tentando vender a ideia de que estudos sobre a extinção das abelhas seriam totalmente inconclusivos. A confusão midiática ajuda a tirar o tema da pauta. Lembram há alguns anos, quando dia sim dia não saía um estudo dizendo que ovo dava colesterol, e logo em seguida que ovo era saudável? É por aí. Quem fala de abelhas, atualmente?
Para investigar as raízes desses ataques, o documentário volta aos anos 1950, quando o cigarro era símbolo de elegância e glamour. Contudo, quando os primeiros estudos indicaram uma relação direta entre tabagismo e o câncer de pulmão, o jogo virou. Acuada, a indústria do tabaco passou a financiar pesquisas com o objetivo não de contribuir para o debate e produzir conhecimento, mas para gerar controvérsia e encobrir o problema. Percebe? Nada mudou.
“O uso explícito da ciência contra a ciência representa uma espécie de divisor de águas. Financiar sistematicamente pesquisas científicas para minar a ciência, combatendo fogo com fogo é um divisor de águas”, afirma a historiadora da ciência Naomi Oreskes, em depoimento ao documentário.
Pesticidas, vacinas, desastres ecológicos… seja qual for o tema, o filme mostra como o uso do método científico para refutar a ciência estabelecida se disseminou – com apoio total dos governos de direita – gerando desinformação, atraso e malefícios sociais e ambientais.
Assim, da próxima vez que você vir uma matéria começando ou terminando com “diz estudo”, desconfie.
“A Indústria da Ignorância” também pode ser visto no CurtaOn – Clube de Documentários, disponível no Prime Video Channels, da Amazon, na Claro TV+ e no site oficial da plataforma (CurtaOn.com.br). A estreia é no canal Curta dia 15/05 às 22h. Horários alternativos: 15 de maio, sexta-feira, às 2h e às 16h; 17 de maio, sábado, às 15h; 18 de maio, domingo, às 23h; 19 de maio, segunda-feira, às 10h.