A INTENSA SIMPLICIDADE DOS INVISÍVEIS EM “A BOA MÃE”.

Por Celso Sabadin.

Nascida na França, de pai tunisiano e mãe argelina, Hafsia Herzi é mais conhecida como atriz que como cineasta. Aos 35 anos, sua carreira na intepretação já soma mais de 50 curtas, longas e séries de TV, que lhe renderam um punhado de premiações importantes, incluindo um César e um prêmio em Veneza.

Em 2019, ela estreou como roteirista e diretora em longas metragens realizando “Tu Mérites un Amour”, filme em que também faz o papel principal. O longa foi selecionado para o Camera D´Or, em Cannes. Dois anos depois, Hafsia escreve e dirige “A Boa Mãe”, drama que estreia nesta quinta, 02/06, nos cinemas brasileiros. E que estreia!

“A Boa Mãe” carrega uma sutil sensibilidade das mais bem-vindas nestas épocas difíceis onde o espetaculoso e o barulhento têm prevalecido em nossas telas. Tudo gira em torno de Nora (Halima Benhamed, impressionante, estreando no cinema), uma mulher em torno de 50 anos que divide seu tempo entre o aeroporto de Marselha, onde é faxineira, e a casa de uma idosa, para quem trabalha como cuidadora. Sempre exalando uma invejável serenidade, ela saúda tanto sua colega de trabalho com um “inchallah”, como seu dentista com um “mazel tov”.

Seu raro tempo de folga é dedicado à família, principalmente ao seu filho Ellyes (Mourad Tahar Boussatha), que cumpre pena na penitenciária local. Em casa, ela faz o possível para manter alguma paz em sua numerosa família.

O filme é um pequeno e precioso retrato de um riquíssimo anonimato. Um mosaico da vida imigrante que persegue diariamente a dignidade da sobrevivência numa França historicamente colonialista. “A Boa Mãe” dá voz aos excluídos e aos invisíveis através da dramatização minimalista das experiências reais da própria família da diretora, o que certamente explica boa parte da intensa veracidade que a obra enseja. Eu mesmo fiquei na dúvida, nos primeiros minutos, se estava vendo uma ficção ou um documentário.

Pelos sobrenomes e pela ausência de trabalhos anteriores de parte do elenco, infere-se que o longa seja interpretado por pessoas reais – e entre parentes – da comunidade muçulmana de Marselha. O que ajuda a compreender também a forte química das cenas familiares, principalmente as que envolvem Nora e sua neta, a pequena Maria.

Uma preciosidade premiada na mostra Um Certain Regard, em Cannes 2021.