“A LENDA DE TARZAN”, COMERCIAL, MAS DIGNO.

Por Celso Sabadin.

A ideia está longe de ser nova, e integra as estratégias contemporâneas de se fazer rios de dinheiro em Hollywood: reinventar, para os atuais padrões de gosto e comportamento cinematográficos, antigos ícones de fácil e rápido reconhecimento popular. Chegou a vez de Tarzan.

Nesta nova releitura do herói criado por Edgard Rice Burroughs em 1912, percebe-se claramente que produtores e diretor seguiram com aplicação a cartilha blockbusteriana de se fazer cinema. Senão, vejamos. Para atingir melhor o público feminino, temos uma heroína, Jane (a australiana Margot Robbie, eficiente), mais participativa e atuante, sintonizada com a nova consumidora. Ela se recusa, de acordo com suas próprias palavras, a “agir como uma donzela” soltando gritinhos histéricos como as heroínas dos anos 40.

Tentando atingir um público talvez um pouco mais antenado, a trama traz um verniz crítico ao sistema colonial do final do século 19, numa visão de mundo que pode facilmente ser reinterpretada para os dias de hoje, com a questão dos refugiados das antigas colônias.

Também temos desta vez um vilão, por assim dizer, realmente vilanesco (Chistopher Waltz), de fato mau e “frio e calculista”, como se costuma dizer nas chamadas de novelas mexicanas. Qualquer produtor de blockbuster conhece a importância da maldade do vilão para o engrandecimento do herói. E mais: ainda há espaço para um vilão secundário, Mbonga (Djimou Hounsou), líder africano que comanda um feroz exército de exóticos negros pintados de branco. A aliança que se forma entre o branco a serviço do poderio colonial e o negro que simboliza as raízes africanas é bem representativa.

Para evitar que o público considere o filme britânico demais, introduziu-se um personagem de destaque totalmente norte-americano: um sujeito chamado nada menos que George Washington Williams (Samuel L. Jackson), ex-escravo combatente da Guerra Civil dos EUA, divertido, carismático e que – repare bem – é o grande defensor dos valores de Justiça de toda a trama. Enviado à África pelo governo estadunidense, seu objetivo é exatamente descobrir, denunciar e combater atos racistas praticados pelos europeus. Só faltou ele descobrir armas de destruição em massa no antigo Congo Belga. Intervencionismo pouco é bobagem.

A embalagem de “A Lenda de Tarzan”, como não poderia deixar de ser para uma produção estimada em US$ 180 milhões, é totalmente comercial, com direito a várias cenas de ação com montagem pra lá de fragmentada, trilha grandiloquente nos momentos grandiosos, arcos dramáticos bem definidos e todas as formulações desejadas e esperadas de um grande sucesso de público.

Para completar de vez a receita blockbusteriana, só faltou mesmo um personagem oriental de destaque, para seduzir o mercado chinês.

Não estou dizendo com tudo isso que se trata de um filme ruim. Pelo contrário. O diretor inglês David Yates conseguiu imprimir boas camadas de conteúdo e seriedade narrativa ao seu filme, mesmo engessado pelas formulações comerciais que teve de seguir, como parte do jogo. Como já havia feito nos quatro episódios que dirigiu da cinessérie Harry Potter, Yates mostra novamente que tem jogo de cintura ao submeter-se às desgastadas regras hollywoodianas e, mesmo assim, conseguir fazer um bom produto comercial com dignidade, qualidade, e adequado para os mais diferentes gostos e idades.

“A Lenda de Tarzan” não é um remake, nem o que atualmente se chama de reboot. Talvez possa ser considerado, digamos, um bom ‘Tarzan Reloaded”.

A estreia é na quinta, 21/07.