“A LINGUAGEM DO CORAÇÃO”. E DA OBSTINAÇÃO.

 Por Celso Sabadin.

Depois que Dalton Trumbo escreveu e dirigiu “Johnny Vai à Guerra”, em 1971, ficou difícil alguém tentar fazer algum filme mais pungente e desesperador sobre um personagem cego, surdo e mudo. Talvez pensando nisso, o diretor francês Jean-Pierre Améris tenha trilhado um rumo diferente no seu “A Linguagem do Coração”, que aborda o mesmo tema. Diferente de Trumbo, que passou ao público o desespero da incomunicabilidade do personagem, Améris opta por tornar protagonista não a menina Marie, portadora das deficiências, mas sim a Irmã Marguerite, a freira que a acolhe. O título original de “A Linguagem do Coração” é “Marie Heurtin”, mas bem que poderia ser “Marguerite”.

O ponto de partida é a história real de Marie Heurtin, roteirizada pelo próprio diretor em colaboração com o escritor e cineasta iraniano Phillippe Blasband, autor de “Irina Palm” e “Nathalie X”, entre outros. Cega, surda, muda e dona de um forte temperamento, Marie (Ariana Rivoire, que realmente é surda) mora com os pais, humildes camponeses, no interior da França do século 19. Sem saber como cuidar da menina, seu pai pede ajuda a uma escola especializada que a recusa, sob a alegação de aceitar apenas garotas surdo-mudas, mas não cegas.  É neste momento que entram em cena a persistência, a teimosia e a obsessiva determinação de Irmã Marguerite (Isabelle Carré), que se propõe, contra tudo e contra todos, a fazer de Marie uma pessoa diferente daquele pequeno e acuado animal selvagem em que ela se transformou em seus anos de incomunicabilidade. Como sempre, uma única pessoa faz toda a diferença.

Améris, o mesmo diretor de “Românticos Anônimos”, opta aqui por uma narrativa das mais tradicionais, apostando suas fichas na simplicidade e na marcante interpretação de Isabelle Carré. Fotografado em belos tons pasteis, utilizando com leveza azuis, verdes e brancos, e lançando mão de uma igualmente sutil trilha sonora  que procura a emotividade, “A Linguagem do Coração” busca claramente um público maior e menos afeto a experimentalismos.

As eventuais perturbações que certamente assolariam Marie, no roteiro, dão espaço à obstinação de Marguerite, que nela se apoia para tentar compensar, ou pelo menos minimizar, a sua própria aflição: a de se despedir da vida sem construir uma obra.  O que não é pouca aflição.

A estreia foi em 17 de março.