A LUTA ENTRE A ARTE E A MEDIOCRIDADE NO IMPERDÍVEL “JONAS E O CIRCO SEM LONA”.  

por Celso Sabadin.

Uma das maiores delícias do cinema documental é aquela sensação de que a obra foge do controle do cineasta. Não que na ficção tudo seja absolutamente controlado, não, mas o documentário traz aquela doce brisa de liberdade, onde os caminhos dos fatos se sobrepõem a qualquer roteiro ou ideia prévia que seus realizadores possam ter concebido.

“Jonas e o Circo Sem Lona” é um destes documentários. A diretora Paula Gomes, estreando no longa, ao registrar a poesia do cirquinho amador que o garoto Jonas, de 13 anos, montou no quintal de sua casa, na periferia de Salvador,  acabou se deparando com algo bem maior: a inesgotável luta pela liberdade.

Num primeiro momento, o filme retrata o cotidiano de Jonas, sua mãe e sua avó. O garoto nutre uma paixão gigantesca pelo circo, e para viabilizá-la, arregimenta com liderança e determinação as crianças de seu bairro. Ensina a todos pequenos truques circenses, malabares, postura em cena, palhaçadas, o que for. Costura roupas, monta adereços, escolhe cuidadosamente as músicas de cada apresentação, bronqueia, ri, se envolve de corpo e alma no seu projeto. Com tudo pronto, sai às ruas munido de um megafone que alardeia o dia, a hora, o local e os preços do próximo espetáculo. Cobra 1 real das crianças e 1,50 dos adultos, quantia que nem sempre chega efetivamente na bilheteria do circo de Jonas.

Até o momento em que uma cena-chave vira o jogo (não é spoiler). A mãe de Jonas acorda o garoto com a notícia de que as férias se acabaram. Que ele deveria se levantar para ir à escola. “Acabaram as férias, acabou a brincadeira… acabou tudo”, diz ela, enquanto sacode o filho imerso em sono. O que poderia ser um fato mais do que corriqueiro – a volta às aulas – se transforma no pesadelo do menino. Aquele “acabou tudo” é terrível. Jonas passa então a viver o martírio de milhões de pessoas: o de ser uma alma libertária aprisionada por um cotidiano chão, ridiculamente raso e sem sentido. O menino líder que ama os sons, os calores e as cores das artes foi agora atrofiado por um uniforme escolar que tenta padronizar a tudo e a todos, encaixotado crianças e adolescentes numa linha de montagem conteudista que despeja informações e fórmulas que jamais servirão para nada.  E ainda sofre bullying dos colegas e da própria direção da escola por ser objeto de um documentário.  É acusado injustamente de se achar melhor que os outros por isso. Acusado de ser um ponto fora da curva, de não se enquadrar na ala dos medíocres. Praticamente é condenado por ser criativo.

A dor de Jonas é tão grande que até a cineasta intervém. A arte do cinema tenta ajudar a arte do circo. Almas libertárias se compreendem, mas a mesmice padronizada da sociedade é tão burra quanto forte. No microcosmo da periferia de uma metrópole baiana, “Jonas e o Circo Sem Lona” encontrou sua pungente metáfora para a própria vida e a sua insana luta entre a razão irracional e a sensibilidade sem limites.

Notável, o longa já percorreu mais de 30 festivais e levou prêmios no México, nos Estados Unidos, na Espanha e na França. Foi o único representante latino-americano no IDFA – International Documentary Film Festival Amsterdam. No Brasil, ganhou Melhor Longa pelo Júri Especial no Festival Panorama de Cinema 2016, Prêmio Destaque do Cine Esquema Novo 2016 e Menção Honrosa do Júri do Cachoeira Doc 2016.

A estreia – imperdível – é em 16 de março.