A MORAL TORTA DE “O PETRÓLEO É NOSSO”.

Por Celso Sabadin.

Triste ironia.  O longa “O Petróleo é Nosso”, cujo título toma emprestado um dos mais significativos slogans da Era Vargas, estreou em 26 de julho de 1954. Menos de um mês depois, o então presidente se suicidaria.

Dirigida por Watson Macedo e produzida por ele mesmo, através da sua Watson Macedo Produções Cinematográficas, “O Petróleo é Nosso” lança mão de uma significativa galeria de tipos inescrupulosos para contar uma história bem brasileira, isto é, repleta de golpes, golpistas e maracutaias.

O desonesto empresário Dr. Guimarães (Sérgio de Oliveira), dono da Petroneca, cria um plano para roubar a simplória Dona Perpétua (Violeta Ferraz), proprietária de nada menos que 856 alqueires de terras em Goiás, supostamente ricas em petróleo em seu subsolo. A estratégia de Guimarães é subornar um geólogo francês (Catalano) para que ele engane a fazendeira, dizendo não haver petróleo em suas terras, para em seguida comprá-las a preço baixo. O empresário também pede que seu filho, Sílvio (John Herbert) tente conquistar o coração de Marisa (Adelaide Chiozzo), filha de Perpétua, para “facilitar” as negociações.

Na verdade, a maioria dos personagens de “O Petróleo é Nosso” terão oportunidades para demonstrar todo o mau-caratismo do grupo. A esposa de Guimarães (Heloísa Helena), madrasta de Sílvio, também aceita fazer parte da grande farsa familiar. O cantor Omelete (também vivido por Catalano), quando se percebe sósia do geólogo francês (novamente as chanchadas usando e abusando do tema do duplo) entra na farsa para se dar bem na situação. Jane (Mary Gonçalves), noiva de Sílvio, parte para o jogo sujo e para as mentiras quando sabe que está sendo trocada por Marisa. O próprio Guimarães tem sob suas ordens dois vigaristas especialmente designados para ludibriar prováveis proprietários de terras petrolíferas. E assim por diante o filme desfila um interminável rol de armações, negociatas e sujeiras deliberadas que ganham a tela sob a forma de comédia. No Brasil de 1954, enganar e roubar é divertido. Talvez nada tenha mudado.

Chama também a atenção a agressividade verbal que permeia as diversas relações que, a princípio, deveriam ser amorosas. “Cala a boca, cretina!”, “vê lá se quer levar uma bolacha pra calar a boca”  e “te dou uma chapoletada por cima da lata” são frases que compõem o vocabulário utilizado por Omelete contra sua mulher Nancy (Nancy Vanderlei. Em determinada cena, tais ameaças verbais se transformam em ações físicas propriamente ditas, com o casal trocando tapas a serviço do que na época se supunha ser cômico. E na época certamente era.

Enquanto isso, Perpétua reproduz aqui o estereótipo da mulher grosseira, feia, violenta e agressiva que ofende e humilha constantemente o marido eternamente acuado e subjugado (Pituca) que, como mecanismo de compensação, galanteia outras mulheres criando assim um círculo vicioso de hipocrisias que desenham o casamento como um verdadeiro inferno e a traição como uma justificável válvula de escape. Trata-se de outra situação utilizada para efeitos de comicidade, e largamente explorada nos estranhos caminhos deste muito peculiar universo do humor brasileiro.

Preconceitos sociais também vêm claramente à tona, principalmente através de Silvio, que em seus primeiros contatos com Marisa a classifica pejorativamente de “caipira mocoronga” e “essa gente”, fazendo questão de explicitar à sua então noiva Jane que “você bem sabe que ela não e do nosso nível social”.

Mais veladamente, a cantada “Uma menina bonita como você não deveria trabalhar tanto” também insinua a torta moral da época, pela qual uma mulher portadora de beleza deve ter outros meios de subsistência que não fossem o trabalho. Talvez até pior que a cantada seja a réplica da bela moça em questão, que responde ao seu galanteador: “Mas eu vou ser artista. Estou estudando canto”, confirmando a ideia que arte não é trabalho.

Diferente de várias comédias da Cinédia e da Atlântida, a parte musical de “O Petróleo é Nosso” não explora o filão carnavalesco, preferindo uma internacionalização sonora que contempla canções francesas, caribenhas, a tradicionalíssima “Casa Portuguesa” e até um pas de deux ao som do piano clássico de Bené Nunes. Busca-se um suposto verniz de refinamento e uma explícita tentativa de mimetizar o luxo de musicais norte-americanos… na medida do possível.

O final é marcado por um festivo número musical dedicado à capital paulista, no qual se canta “São Paulo, gigante nobre do planalto”. Na festa, a presença sorridente do vilão-empresário Guimarães, já totalmente desmascarado em suas falcatruas, mas inevitavelmente impune. Sem problemas. Afinal, em cena anterior, quando chamado de desonesto pelo próprio filho, Guimarães responde:  “Eu sou um homem de negócios. Não me interesso por questões sentimentais”.

No país em que ser desonesto é apenas uma questão “sentimental”, não há nada a estranhar.

O argumento e o roteiro são de Cajado Filho e Watson Macedo.