A NOITE ETERNA DE “VITALINA VARELA”.

Por Celso Sabadin.

“Vitalina Varela” não é um filme como qualquer outro, que você simplesmente entra no cinema e assiste. Ele é uma experiência quase transcendental, que exige preparo prévio e muita concentração.

O filme me fez lembrar a letra da canção “Se Eu Quiser Falar com Deus”, de Gilberto Gil: “Se eu quiser falar com Deus/ Tenho que ficar a sós/ Tenho que apagar a luz/ Tenho que calar a voz/ Tenho que encontrar a paz/ Tenho que folgar os nós/ Dos sapatos, da gravata/ Dos desejos, dos receios/ Tenho que esquecer a data (…) Tenho que aceitar a dor/ Tenho que comer o pão/ Que o diabo amassou (…) Tenho que me ver tristonho/ Tenho que me achar medonho (…) “ E por aí vai.

Tudo isso porque “Vitalina Varela” propõe uma imersão quase religiosa que se utiliza de tempos, silêncios e dores estendidas que vão além daqueles que o cinema – mesmo o chamado “de arte” – costuma nos propor.

Se o cinema português já é conhecido pela lenta interiorização de suas mais intimistas reflexões, “Vitalina Varela” o leva a outro patamar. Por outro lado, assim como as imersões religiosas, quem se dispuser – e conseguir – mergulhar nesta transcendentalidade será recompensado com momentos das mais belas cores, luzes, não luzes, fotografias e sensações que as telas podem oferecer.

Um clima de noite eterna permeia a trajetória de Vitalina Varela (vivida por ela mesma), uma sofrida mulher cabo-verdiana que desembarca em Portugal para o enterro de seu marido, que não via há mais de 20 anos. Não bastassem as dores da distância e da perda, Vitalina não chega a tempo para o funeral. Resta-lhe agora apenas reviver e recontar a própria história para os demais conterrâneos da comunidade de Cabo Verde, marginalizados em condições precárias na abandonada periferia da Europa.

Tal mistura de drama humano, crítica social e documentário tem roteiro da própria protagonista em parceria com o premiado diretor lisboeta Pedro Costa, o mesmo de “O Sangue”, “Casa de Lava”, “No Quarto da Vanda” e  “Cavalo Dinheiro”, entre outros.

“Vitalina Varela” coleciona mais de 20 prêmios e indicações em festivais nacionais e internacionais, incluindo o Leopardo de Ouro e Prêmio de Melhor Atriz em Locarno. Também foi o representante português no Oscar 2021.