A PIAF DE COTILLARD, NO LIMITE DO SUBLIME

As biografias das grandes divas vêm muitas vezes acompanhadas de verdadeiros dramas e até mesmo tragédias de estarrecedoras proporções. Outras vezes têm infâncias felizes e a ausência de escândalos, veja-se Meryl Streep ou Vanessa Redgrave por exemplo.Entretanto, mitos sejam eles do mundo da música, do cinema , do Teatro, da Literatura, das Artes Visuais são objeto de vasta investigação na tentativa de se compreender a trajetória ímpar de cada um, uma vez que a super exposição garante tanto os louros da fama quanto as agruras da invasão à privacidade.

Paixões avassaladoras, abandonos, dependência química, assassinatos nebulosos ,intensas alegrias, exploração, ascenções e quedas traçam o painel real da vida de muitos de nossos ícones na Arte.

Billie Holliday, Marilyn Monroe, Lana Turner,Marlon Brando, Chet Baker, Romy Schneider, se quisermos falar do que já se foram , mas também histórias de superação como Drew Barrimore, Dennis Quaid, Melanie Griffith entre outros que venceram o entra-e –sai das drogas e do alcoolismo.

Na França do Século 20,dois dos ídolos mais populares na história musical do País sucumbiram ao peso de seu talento acoplado às intensas e dramáticas experiências pessoais. O ônus emocional de sua popularidade e suas paixões fizeram de Dalida e Edith Piaf depositárias do imaginário de seu público fiel.

Embora nascida e criada no Egito, onde foi Miss e incensada por sua beleza superlativa, Dalida transformou-se na França em paixão nacional. Em diversas ocasiões sua vida pessoal ameaçava interromper sua carreira de sucessos ininterruptos , como o suicídio de seu amor Luigi Tenco após o Festival de San Remo nos anos 60 mas tal uma fênix , renascia após cada drama e em 1987 seu suicídio aplacaria suas dores. Ainda hoje bate recordes de vendagem .

Idolatrada até os dias de hoje, amada,cultuada, imitada, a insuperável pequena e imensa Edith Piaf é a figura emblemática da música francesa que descreve a trajetória do amor na alma humana. A sua ,particularmente atormentada jamais se amedrontaria frente às adversidades que enfrentaria no decorrer de sua curtíssima vida. Sua biografia ,filmada por Olivier Dahan vai além da sucessão de fatos que descrevem sua existência, penetrando em sua tendencia à autodestruição e ainda que alguns fatos permaneçam nebulosos e traça um perfil que conta com a esplêndida e irretocável interpretação de Marion Cotillard.

Tão insuperável quanto à interpretação de la môme Piaf o pequeno pardal , apelido dado por seu descobridor Louis Leplée (Gérad Depardieu, comovente), está a da atriz Marion Cotillard, em esplêndida composição.Fala-se de tour de force quando um ator supera seus limites .Quando parece não haver outra possibilidade que não seja aquele ator ou aquela atriz para a interpretação de um personagem tal a força e a precisão do Trabalho.Cotillard é milimétrica, detalhista, generosa, chega a se confundir por assim dizer com Edith Piaf, por quem é inevitável render –se tal a potencia de seu talento entrega.

De sua infância infeliz à sua morte prematura aos 47 anos, passando por sua glória e derrocada, o filme retrata com fidelidade a comunhão entre a vida e a arte , uma vez que para Piaf não existia distinção entre ambas.Seu alimento era a paixão, sua expressão como mulher a música, seu desprendimento em relação à fama era inconteste. Os cantos de sereia não a seduziam e sua coerência artística determinava seu repertório.Ela cantava o que amava, cantava o que vinha das profundezas do que sentia.

Com 1, 42 aparentava o gigantismo de quem coloca a alma em sua obra, Cottilard adquire a mesma altura, as feições, os gestos, a aparência maltratada pela saúde debilitada desde a infância em que passou por um período de cegueira, e pelo posterior vício a drogas injetáveis , fazendo de sua composição o grande trunfo do filme. Abandonada pela mãe e filha de um contorcionista alcoólatra e truculento, Piaf foi criada num prostíbulo pela avó cafetina, Piaf vivencia a humanidade e o espírito maternal das prostitutas sintetizadas por Titine, personagem interpretado com grande sensibilidade por Emanuelle Seignier.

Já adulta Piaf ,agora incorporada por Cotillard ocupa o filme com matizes que poderiam cair no melodrama ,gênero que é evitado especialmente porque a vida da biografada já é trágica o suficiente. Entretanto sente-se falta do aprofundamento em certos temas como o fato de que Jean Cocteau escreveu O belo Indiferente para Piaf, sua ação na Resistência Francesa durante a II Guerra Mundial e seu papel de grande incentivadora de Aznavour ao incorporá-los em suas turnês pela América do Norte, onde inicialmente se sentira incompreendida pelo público, antes de consagrar-se em Nova York, ou o início e sua relação com Theo Sarapó seu último marido.

Canções como Hymne à l´Amour, La vie en Rose, Non ,je ne regrette rien, Padam Padam, entre muitas outras fazem parte do inconsciente coletivo, assim como sua história com o pugilista argelino Marcel Cerdan , o grande amor de sua vida morto tragicamente em acidente aéreo indissociado à criação de vários sucessos . Cotillard rende sua homenagem de modo visceral ao mito trazendo a dimensão humana, vulnerável, ao mesmo tempo frágil e imbatível desta mulher , prematuramente desaparecida da cena artística em 10 de outubro de 1963, há exatos 44 anos . Mais do que um filme, Piaf,um Hino ao amor é a partitura para uma grande atriz.