A PODRIDÃO ESTRUTURAL DE “PATERNO”.
Por Celso Sabadin.
Parece não ter muito a ver, mas tem. Ao assistir “Paterno”, que estreia em cinemas nesta quinta, 07/08, me lembrei muito do livro “1889”, de Laurentino Gomes. Não que o filme se passe naquela época, nada disso, mas tanto o livro como o longa falam de um dos maiores problemas do Brasil: as estruturas de continuidade da nossa podridão social.
A extrema dificuldade que as nossas elites têm de “largar o osso” está no cerne deste filme roteirizado por Fábio Meira e por Marcelo Lordello, que também o dirige.
Sérgio (Marco Ricca) é o pivô da trama. Arquiteto/herdeiro de uma tradicional construtora recifense, ele se percebe num momento crucial da vida. Seu pai está à beira da morte, seu irmão mais velho e sócio não confia em seu trabalho, e seu jovem filho pré-vestibulando não parece inclinado a seguir os passos da família.
Enquanto a capital pernambucana mergulha na incontida especulação imobiliária que lança sombras sobre suas praias, Sérgio é dragado pelos mecanismos que historicamente norteiam sua empresa familiar: a corrupção política que faz tudo girar. Sem poder de quebrar o círculo vicioso – e provavelmente também sem a vontade suficiente – Sergio não encontra seu lugar nem na empresa, nem na família.
As estruturas estão todas podres, mas ainda vão muito bem, obrigado. Como sempre.
Tenso da primeira à última cena, “Paterno” tem no sempre ótimo Marco Ricca um de seus principais trunfos. Com sua interpretação ao mesmo tempo intensa e contida (aliás, uma de suas marcas registradas como ator), Ricca conduz primorosamente o exasperante fio condutor da narrativa, que a todo momento mantém parada no ar a inquietante impressão que tudo pode desabar a qualquer instante. Como um edifício feito com areia de praia.
A câmera de Lordello mantém uma forte relação de intimidade com a potência dramática do ator, brindando-o com vários e generosos closes que não apenas mantêm a claustrofobia da situação, como se mostram eficientes na difícil arte de colocar o público dentro da trama.
Premiado pela crítica no 17º Fest Aruanda (além dos prêmios de Melhor Ator para Ricca e Melhor Atriz Coadjuvante para Rejane Faria), “Paterno” ganha agora lançamento nacional nesta quinta-feira que precede o Dia dos País.
O que não deixa de ser deliciosamente sarcástico.
Quem dirige
Marcelo Lordello é cineasta com 23 anos de carreira, sócio da Trincheira Filmes — produtora pernambucana fundada ao lado de Leonardo Lacca e Tião. Nascido em Brasília, em 1981, vive no Recife desde 2001, onde se formou em Comunicação Social pela UFPE e iniciou sua trajetória no audiovisual atuando como diretor, roteirista, fotógrafo e montador de curtas. Seu primeiro longa documental, Vigias (2010), estreou no Festival de Brasília e circulou por festivais como o BAFICI (Argentina) e o Filmfest München (Alemanha). Em 2012, dirigiu Eles Voltam, seu primeiro longa de ficção, premiado como Melhor Filme pelo júri oficial e pela crítica no 45º Festival de Brasília, além de Melhor Atriz e Atriz Coadjuvante. Seu terceiro longa, “Edificante”, encontra-se em fase final de montagem.