“A REBELIÃO” CRITICA O JOGO DO PODER E A IMBECILIDADE MILITAR.

Nos primeiros momentos de “A Rebelião”, admito que fiquei com um pé atrás. Tive a sensação de que veria mais uma tentativa do cinema francês de se aproximar da estética (e, consequentemente, do mercado) norte-americana. O fenômeno não é recente, e vem acontecendo de forma mais expressiva desde “O Fabuloso Destino de Amèlie Poulain”: existe uma linha da produção francesa que rompe com o cinema cerebral que era típico daquele país para buscar formas mais palatáveis de se comunicar com o grande público. E que, para isso, mimetiza as formulações da estética norte-americana. Não vai aí nenhum juízo de valor; apena a simples constatação que o francês – direito dele – também quer ganhar bastante dinheiro com o cinema.

De qualquer maneira, as primeiras cenas de “A Rebelião” me indicavam este caminho. Uma crise político-militar, um herói contra tudo e contra todos, montagem ágil e dinâmica, uma incômoda narração em off… e até aquela forma clichê de situar para o público – com letrinhas imitando a digitação em computador – os locais, as datas e as horas do que estava acontecendo, tudo me fazia a crer que veria um filme francês imitando um filme americano.
A diferença seria que, ao invés de retratar uma crise ambientada no Afeganistão ou no Iraque, “A Rebelião” se situa na Nova Caledônia, um arquipélago próximo a Austrália, colônia francesa desde 1853. É lá que, nos anos 80, ativistas locais sequestram um grupo de franceses para fazer exigências de ordem política. Um problema a ser resolvido pelo negociador Phillipe e sua equipe de homens bem treinados.

“Pronto”, pensei eu, “está tudo acertado para o cinema francês fazer um filme tipicamente americano”. Felizmente, eu estava totalmente enganado. Na medida em que o enredo se desenvolve, o roteirista, diretor e também ator principal – ufa! – Mathieu Kassovitz mostra a que veio. Apesar da profusão de helicópteros, dos tiroteios aventurescos e da intensa movimentação militar, “A Rebelião” é acima de tudo um thriller político que provoca profunda reflexão sobre a imbecilidade do poder.

A questão principal aqui não é formada pelas exigências dos revoltosos, nem pelas habilidades de negociador do protagonista, tampouco pelas questões histórico-culturais que envolvem as relações colônia-metrópole. A base maior do problema é que, apesar de tudo acontecer a milhares de quilômetros de Paris, a crise influencia diretamente as eleições presidenciais francesas, a poucos dias de serem realizadas. Em outras palavras, nada, ninguém, nenhuma vida pode ser mais importante que o jogo do poder. Um jogo sórdido que tem como principal esteio a imbecilidade militar. É sobre a ganância infinita apoiada sobre a cegueira burra da obediência militar que a linha narrativa do filme se desenvolve.

Agora, sim, temos um filme francês. E dos melhores. Sem os velhos e desgastados conceitos de redenção e falso heroísmo do produto americano.

Um toque documental: além de ter sido filmado na própria região onde os fatos aconteceram, os embates vistos na televisão entre Chirac e Mitterand não são reconstituições, mas sim editados a partir de imagens efetivamente transmitidas pela TV francesa, na época das eleições.