“A SOMBRA DO PAI” DISSECA O HORROR INFANTIL DIANTE DE UMA SOCIEDADE CAÓTICA.

Por Celso Sabadin.

Aos poucos, o cinema brasileiro vai se percebendo com bastante talento como produtor de filmes de terror. Não aquele terror explícito e raso, repleto de clichês, que se disseminou pelo mundo a partir dos parâmetros comerciais norte-americanos pós-1980, mas sim um horror psicológico, verdadeiramente tenso, que une o pânico à crítica social, conquistando um público que espera muito mais do gênero que apenas sustos pontuais provocados por truques sonoros.

Aos ótimos “Trabalhar Cansa”, “Quando eu Era Vivo” e “As Boas Maneiras”, entre outros, junta-se agora mais um título brasileiro que representa dignamente o gênero: “À Sombra do Pai”, segundo longa (após “Animal Cordial”) resultante da parceria entre Gabriela Amaral Almeida na direção e Rodrigo Teixeira na produção,

A trama envolve Dalva (Nina Medeiros, ótima), uma garota de nove anos perdida num universo repleto de tristeza e desconsolo provocado pela morte prematura de sua mãe. A menina tem como suas quase únicas referências de vida uma tia adepta de magia branca (Luciana Paes), um pai ausente perturbado pela viuvez (Julio Machado) e uma coleguinha de escola enciumada pelo nascimento de uma irmãzinha. São três referências das mais negativas que conturbam ainda mais o universo de Dalva: a tia acredita ser capaz de conquistar o homem que ama através de simpatias e bruxarias, mesmo contra a vontade dele. O pai presencia o suicídio de um colega de trabalho e entra em paranoia, enquanto a coleguinha está disposta a matar a própria irmã para aliviar seus ciúmes. A pequena Dalva terá de ser muito adulta para sobreviver com algum equilíbrio neste núcleo familiar/afetivo totalmente disfuncional

“À Sombra do Pai” mostra um notável amadurecimento de Gabriela Amaral Almeida após o supervalorizado “Animal Cordial”. A diretora abre mão do sensacionalismo gore de seu trabalho anterior e mergulha com seriedade neste dolorido processo de amadurecimento forçado de uma criança vitimada por uma caótica sociedade em desequilíbrio.  Ao sugerir mais que explicitar, a diretora se mostra hábil na (cada vez mais difícil) arte de prender olhares, atenções e respirações da plateia. A densidade do tema, aliada ao clima hipnótico da narrativa e aos claustrofóbicos e sempre bem idealizados planos e enquadramentos, fazem de “À Sombra do Pai” um dos grandes exemplares do gênero na nossa cinematografia. Tudo isso sem citar, claro, os sempre bem-vindos silêncios que – Hitchock já sabia, mas parece que seus sucessores se esqueceram – são fundamentais para a construção do medo e do suspense.