A TRANSEXUALIDADE CHIQUE DE “A GAROTA DINAMARQUESA”.

Por Celso Sabadin.

O timming foi perfeito. Entrando com dignidade, e no momento preciso, na atual discussão sobre transexualidade, os mesmos produtores dos premiados “Os Miseráveis” e “A Teoria de Tudo” foram buscar inspiração num caso ocorrido nos anos 30 para o desenvolvimento de um novo – e outra vez premiado – projeto: “A Garota Dinamarquesa”. O ponto de partida foi o livro “The Danish Girl”, romance de estreia do escritor norte-americano David Ebershoff, publicado em 2000. Ebershoff, por sua vez, escreveu sua obra baseando-se na vida do pintor dinamarquês Einar Mogens Wegener, embora especialistas afirmem que muito pouco da história real foi de fato retratado nas páginas do romance.

Casado com a também artista plástica Gerda Wegener (a sueca Alicia Vikader, ótima), Einer levava uma vida supostamente normal aos olhos da sociedade europeia da época, até o momento em que ele não conseguiu mais esconder sua incontornável obsessão por se vestir de mulher. Neste momento, o cinéfilo mais atento pode até pensar já ter visto algo muito parecido em “Uma Nova Amiga”, de François Ozon. Mas “A Garota Dinamarquesa” vai mais além. Bem mais além.

Um dos grandes acertos do filme foi a escolha de Eddie Redmayne (de “A Teoria de Tudo”) para o papel principal. O ator inglês transmite com muita eficiência a dualidade exigida para o personagem, jamais escorrega em trejeitos fáceis, passa a anos luz de qualquer indício de vulgaridade, além de transmitir com doçura no olhar todo o sofrimento interno inevitável de Einar Wegener.

A direção de Tom Hopper (“O Discurso do Rei”) é generosa com seus protagonistas, abrindo-lhes demorados planos e closes marcantes onde os atores podem se expressar com a intensidade e as sutilezas exigidas pela situação. O filme peca apenas pela sua preocupação excessiva em transformar todo e qualquer fotograma numa obra de arte arrebatadora, criando assim um exercício de formalismo que chega a parecer obsessivo. Como se tudo fosse um gigantesco comercial de perfume. Tanta ostentação e plasticidade estética, em todos os momentos, quase chega a atingir o patamar do cansativo, mas a pujança da trama e a excelência das interpretações, aliadas ao fato de que, afinal, tudo se passa nos bastidores do mundo das artes plásticas, ajudam a relevar a questão.