A VOLTA UM FILHO PRÓDIGO MUITO PARTICULAR MARCA O BELÍSSIMO “SANGUE AZUL”.

Por Celso Sabadin

Em “O Palhaço”, o circo foi retratado como elemento de desencanto; em “Os Pobres Diabos”, ele retrata o fim de uma era. Agora, o sempre mágico universo circense volta à pauta cinematográfica como pano de fundo de “Sangue Azul”, novo trabalho de Lírio Ferreira, codiretor do consagrado “Baile Perfumado” e diretor de “Árido Movie”.

Tudo começa quando o internacional Circo Netuno é montado num vilarejo litorâneo. Não se trata, porém, de apenas mais uma entre as inúmeras cidades pelas quais aqueles artistas já passaram. Esta é especial: é a terra natal de Zolah (Daniel de Oliveira), o Homem-Bala, que através de seu canhão cenográfico retorna às suas origens após muitos anos de ausência. Ao reencontrar sua vila, Zolah vai voltar ao tempo em que era apenas Pedro, filho de Dona Rosa (Sandra Corveloni), irmãozinho querido de Raquel (Caroline Abras). E também vai ter de enfrentar seu passado, que parecia esquecido, mas que lá estava, esperando por ele, estagnado no tempo e no espaço, reacendendo antigos traumas, reabrindo velhas feridas. Não por acaso, o lugar é uma ilha.

Aos poucos, com muito envolvimento e sensibilidade, o roteiro de Fellipe Barbosa (diretor de “Casa Grande”), Sérgio Oliveira e do próprio Lírio Ferreira vai nos apresentando a fascinante galeria dos tipos que compõem o onírico e bizarro universo circense. Há desde um poderoso homem forte gay (Milhem Cortaz), até uma sensual dançarina cubana (Laura Ramos) passando por um atirador de facas francês (Matheus Nachtergaele). Todos sob o comando do enfraquecido Kaleb (Paulo César Pereio), que capitaneia o Circo Netuno como consegue. Ou não consegue.

Logo nas primeiras cenas, o filme encanta pela força de sua fotografia, assinada por Mauro Pinheiro Jr. Num magnífico preto e branco (pelo menos a princípio), a montagem do circo diante da praia é desenhada com belíssimas siluetas e contrastes claro/escuro que remetem à plasticidade de “It´s All True”, o filme que Orson Welles veio fazer no Brasil e jamais terminou. Não se trata apenas de um encantamento inicial: “Sangue Azul” mantém o fascínio de suas imagens durante toda a projeção, maravilhando o público enquanto vai aos poucos montando o quebra-cabeças de sua trama. Sem pressa, os personagens vão se tornando nossos velhos conhecidos e ajudando a contar a história de Zolah. Ou Pedro.

“Sangue Azul” é, digamos, um filme paulista-pernambucano, com direção do recifense Lírio e produzido pelo paulista Renato Ciasca, através da produtora Drama Filmes, que fundou junto com Beto Brant. Filmado em Fernando de Noronha, ganhou o prêmio Redentor de melhor filme de ficção da Première Brasil, no Festival do Rio 2014, de melhor fotografia e melhor figurino em Paulínia, e foi exibido hors concours na seção Panorama do Festival de Berlim 2015.