“ACQUA MOVIE” E A CORROSÃO DAS ESTRUTURAS DO PODER.

Por Celso Sabadin

Uma família em crise. Em São Paulo, o pai, Jonas (Guilherme Weber), se ressente da prolongada ausência da esposa, Duda (Alessandra Negrini), que permanece na Amazônia por um tempo maior que o esperado, tentando concluir um documentário. Entre ambos, o filho adolescente, Cícero (Antonio Haddad), tenta administrar as emoções e os sentimentos conflitantes resultantes deste distanciamento.
Quando uma tragédia desestrutura este pequeno núcleo familiar, uma longa viagem de São Paulo até o interior de Pernambuco se apresenta como cicatrizante destas profundas feridas. Neste processo de cura, porém, outras dores – novas e antigas – poderão surgir.

“Acqua Movie” é o sexto longa metragem do festejado diretor pernambucano Lírio Ferreira, o mesmo do icônico “Baile Perfumado” (codirigido com Paulo Caldas), “Árido Movie”, “Cartola” (codirigido por Hilton Lacerda), “O Homem Que Engarrafava Nuvens” e “Sangue Azul”. Aqui, Ferreira retoma o personagem Jonas, de “Árido Movie”, mas não é necessário ter visto o filme para mergulhar no universo de “Acqua Movie”, ainda que ambos os longas se completem.

Sintonizado com o título do filme, o elemento água conduz poeticamente a narrativa de “Acqua Movie”. Seja correndo pelos canos urbanos, como na tragédia que detona a linha de ação; seja na presença constante das garrafas plásticas que simbolizam a terrível tendência atual de privatização do bem; seja na represa presente que afoga artificialmente as memórias do passado; seja na magnitude a céu aberto das obras de transposição do Rio São Francisco, “um assunto complicado”, como diz um dos personagens.
Mas se a água é – num só tempo – o pano de fundo e o elemento condutor do filme, a estrutura básica de “Acqua Movie” se apoia na denúncia social e política ao mostrar – como é recorrente – um país de estruturas podres de poder. Carcaças políticas carcomidas que se sustentam há gerações e continuam a prevalecer intocáveis na paisagem da história, seja esta paisagem árida ou aquífera. Seja este poder de velhas lideranças ou de novas, utilizando as velhas receitas.
Tudo isso travestido de grande cinema através do roteiro envolvente de Marcelo Gomes, Paulo Caldas e do próprio diretor; da montagem sempre eficiente de Vânia Debs, e da fotografia não menos que exuberante de Gustavo Hadba.
No elenco, além dos já citados, Augusto Madeira (ótimo), participações de Marcélia Cartaxo, de Edgar Navarro, e de um espantosamente calado Claudio Assis.

Estreia em 10 de junho.