“ADAM”, O ENCONTRO DE DUAS MULHERES UNIDAS PELAS SUAS AFLIÇÕES.

Por Celso Sabadin.
 
Existe uma tendência bem explícita de França e Bélgica (às vezes, juntas, às vezes em separado) de coproduzirem filmes com países de cultura árabe visando premiações internacionais. Os produtores europeus – que de bobos não têm absolutamente nada – já sacaram há muito tempo as fórmulas e os trejeitos que compõem um belo filme de temática árabe, sem abandonar o paladar europeu, e com forte potencial para sensibilizar jurados internacionais.
Anote a receita: pegue a simplicidade narrativa que nos foi ensinada pelos cineastas iranianos dos anos 1980/90, e crie uma trama simples, mas essencialmente humanista, desenvolvida por pouquíssimos personagens. Acondicione tudo em locações minimalistas de forte apelo cultural, e não deixe de contratar roteiristas e diretores locais para garantir a questão do lugar de fala. Um pano de fundo ou político ou sintonizado com temas do momento (empoderamento feminino ou racismo, por exemplo) é sempre bem-vindo. Ah, claro: adicione uma criança.
 
A coprodução franco-belga-marroquina “Adam” é um bom exemplo desta tendência. A trama mostra a luta de Samia (Nisrin Erradi), uma jovem que engravidou fora do casamento, e a sua busca por uma sobrevivência digna nas ruas nem sempre acolhedoras de uma cidade marroquina. Quando todos parecem lhe fechar as portas, surge a presença salvadora de Abla (Lubna Azabal), uma viúva rude, mas que se compadece da jovem grávida e lhe dá guarita. Seria redundante dizer que ambas percorrerão o famoso arco dramático redentor, unindo-se em suas carências, dividindo suas aflições e multiplicando-se mutuamente em suas lições de vida.
 
Assim é “Adam”. Esquemático, previsível, mas que consegue encontrar seu público através da própria simplicidade a que se propõe. O filme participou da seleção oficial da mostra Um Certo Olhar, em Cannes, e foi o escolhido por Marrocos a representar o país no prêmio Oscar.
 
É um filme de alma feminina que marca a estreia na direção de longas de Maryam Touzani, que também assina o roteiro. “Adam” nasceu de um encontro real da diretora: “Eu conheci uma jovem que me inspirou para o personagem de Samia. Ela desembarcou em Tânger, fugindo de sua família depois de engravidar e depois foi deixada pelo homem que prometera se casar com ela. Por medo e vergonha, ela não contou a nenhum de seus amigos e parentes e escondeu sua gravidez por meses. Longe de casa, ela esperava dar à luz seu filho em segredo e doá-lo antes de retornar à sua aldeia. Meus pais a acolheram quando ela apareceu na porta de casa, embora nem a conhecessem. Sua estadia se transformou em várias semanas, até o nascimento do filho. Samia era gentil, introvertida; ela amava a vida. Eu vi a dor dela. Vi sua disposição alegre também. E, acima de tudo, vi como ela estava arrasada com essa criança por sentir que não tinha escolha a não ser a abandonar para continuar com a sua vida.”