AGORA EM DVD, “BRUNA SURFISTINHA” É RARA PRODUÇÃO BRASILEIRA A SE ASSUMIR SENSUAL.

Desde que começou o cinema da Retomada, parece existir entre nossos cineastas, sustentados em sua maioria por verbas do mecenato oficial, um certo pudor em partir para propostas eróticas. Predomina a impressão que os diretores não querem ser confundidos com aqueles que atuaram no cinema nacional dos anos 1970, assinando filmes como muito sexo, ocasião em que inventaram a designação pornochanchada, que se generalizou de forma ampla e predatória.

De 1993 para cá, houve poucas manifestações nesse terreno. Caso, por exemplo de “Entre Lençóis” (2008), refilmagem de uma produção colombiana de Gustavo Nieto, feita pelo próprio, e que contava apenas com as duas ótimas interpretações Reynaldo Gianechini e Paola Oliveira. Mas não obteve a atenção que merecia, nem por parte do público e muito menos pela crítica que, em muitos casos, revela certo preconceito com criações dessa linha.

Felizmente, temos mais um avanço contra essa postura pudica. “Bruna Surfistinha” oferece uma narrativa que tem no erotismo a sua mola propulsora. E nem poderia ser diferente, porque conta parte da vida de uma prostituta, Raquel (Deborah Secco), que ganhou fama como Bruna Surfistinha. O início mostra a personagem como jovem estudante. Uma transa com um colega cai na internet. Deslocada na escola e no lar, abandona os pais adotivos. Sem rumo, vai parar em um bordel de programas rápidos e baratos, gerenciado com mão de ferro por Larissa (a ótima Drica Moraes). Lá, apreende a conviver com os mais variados aspectos da chamada vida fácil que, de fácil não tem nada. Nessa rotina, desperta o amor do cliente Hudson (Cássio Gabus Mendes) e, em pouco tempo, torna-se independente, faz uma carreira solo, que usa a internet. Surge a prosperidade e também a dependência das drogas.

Com essa história verídica, extraída de “O Doce Veneno do Escorpião”, um best seller de Raquel Pacheco (que faz uma ponta como a recepcionista do restaurante chic), o filme é realista no registro de uma trajetória repleta de relações carnais e de situações, às vezes, sórdidas. Mas, graças ao diretor, jamais resvala na vulgaridade. Estreando no longa metragem de ficção (antes, fez um vídeo com a cantora Maria Rita e atuou em publicidade), Marcus Baldini não se deixou levar pela tentação do brilho fácil. Seu trabalho é sereno e elegante, a serviço do argumento. Ao mesmo tempo, valorizou o elenco, em especial Deborah Secco, que apresenta o melhor trabalho de sua carreira. Com naturalidade, ela transita da ingenuidade para a astúcia, da humilhação para o êxito e o declínio.
Pena que o roteiro se exceda na narração off, às vezes inoportuna, assim como a trilha sonora em certos momentos. Mesmo assim, “Bruna Surfistinha” chega em boa hora, é mais uma demonstração de que alguns de nossos realizadores estão trilhando, com boa qualidade, o caminho do diálogo franco e direto com o público, algo que faltava ao nosso subsidiado e acomodado cinema atual.

Por conta dos recursos que recebeu, durante um tempo pairou a acusação de imoralidade envolvendo o filme de Baldini. Apontavam principalmente, o fato do argumento mostrar os ganhos financeiros da prostituição, maiores do que os obtidos por uma professora, por exemplo, em muitos anos de atividade. A imoralidade está no salário aviltante que se paga às professoras neste Brasil com tamanha inversão de valores. Enquanto membros do poder legislativo torram fortunas em verbas de gabinete, ou cineastas estreantes recebem imensos subsídios para filmes ruins ou inconclusos, as autoridades insistem em negar valores mais estimulantes para médicos, professores, atendentes da saúde, policiais, bombeiros, garis e outros profissionais de grande importância para a vida de uma nação.
A imoralidade, portanto, não está em “Bruna Surfistinha”.

Alfredo Sternheim é cineasta, jornalista e escritor

“Bruna Surfistinha” (Brasil – 2010 – 109’) Direção: Marcus Baldini Com: Deborah Secco, Cássio Gabus Mendes, Drica Moraes, Fabíula Nascimento, Cristina Lago, Guta Ruiz, Luciano Chirroli, Clarisse Abujamra, Gustavo Machado, Juliano Cazarré, Erica Puga, Simone Ilescu e Sérgio Guizé, entre outros.
DVD: Menu interativo – Seleção de cenas Tela: Cheia Áudio: Dolby Digital (5.1) Idioma: português Legenda: inglês
Extras: Making Of – Direção – Debora Secco – Elenco – Equipe – Love Story – Trilha sonora
Distribuição: Imagem Filmes